quarta-feira, janeiro 30, 2008

Conto do prazer em lá

Com a cabeça em algum lugar que não o terreno irregular onde pisava, num tempo intrometido que insistia em roubar o posto do agora, por fim chegou ao templo.

O monge sequer se deu o trabalho de dispensar-lhe qualquer tipo de cumprimento, um olhar ou aceno de cabeça. Continuou a sua refeição de frutas e iogurte enquanto um tipo de funcionário do lugar indicava a entrada do salão ocupado por uns bancos, uma espécie de altar e uma estátua de Buda de uns dois metros de altura. Em seguida a porta se fechou e ela ficou a sós com seus pensamentos, com a disposição de ver algum sentido naquelas inéditas estranhezas diante dos olhos.

Circulou pelo salão, chegou mais perto do altar e encarou o Buda, que como resposta permaneceu parado, com um comportamento típico e da natureza de qualquer estátua. Esperava ela algum sinal? Em busca de não se sabe o quê, continuou a vasculhar o local com os olhos, se deteve em fotos, relíquias e badulaques, mas sentido mesmo não conseguia ver, talvez por não saber procurar ali o que sempre pensou encontrar lá, no lugar dos outros tempos e lugares.

Mesmo assim, sem sentido ou direção, sentou-se e fingiu meditar, porque de tanto fingir talvez se fizesse acreditar que podia crer, mas não adiantou, e por isso quis sair correndo, e quase o fez, mas sabiamente entendeu que fugir devagar seria a maneira mais eficaz de desaparecer depressa e de vez, sem ser importunada com perguntas e gestos de compaixão por sua loucura.

E nessa de sutilmente fugir, não encontrou o suposto funcionário que a atendeu, e não estava nos seus planos dar importância para o fato, mas se esbarrou no monge, um homem de uns dois metros de altura, e ela se fixou naqueles bondosos olhos azuis, e de repente ir embora perdeu o sentido, talvez porque ali, naquele momento, o sentido havia sido encontrado.

O teor da conversa nas três horas seguintes permanece desconhecido, pois apenas a estátua de Buda a testemunhou, bem como testemunhou as carícias, os beijos, os tremores, suspiros, suores e gemidos. E, com um comportamento atípico e contra a natureza de qualquer estátua, Buda, naquele dia, sorriu.

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