quinta-feira, maio 26, 2005

Dispersão de público alvo

Véspera de feriado, quarta-feira com cara de sexta, decido sair com os amigos. Fico na dúvida em relação ao que vestir. Sabe quando mulher quer se sentir bonita? Pois então, ontem parecia ser meu dia. Experimento várias roupas, mas demoro até me dar por satisfeita. Na primeira tentativa, me sinto conservadora. Depois, ousada. Mulher fatal, Lolita. Muito casual, emperiquitada demais. Até que, enfim, me aprovo. Sóbria, de preto, um casaco de uma outra cor para quebrar um pouco. Blusa com decote sutil, bem feminina, nada vulgar. Dou um trato nas madeixas. Pouca maquiagem muito discreta. E pronto.

Saio e espero no local onde passariam para me buscar. Estou eu, maravilhosa, na rua, até que reconheço de longe o carro, que vem encostando, na minha direção. “Chegaram”, penso. Aí, resolvo bancar a engraçadinha: dou uma requebrada, coloco a mão direita na cintura, o dedo esquerdo na boca, faço biquinho e pisco os olhinhos. Sai de dentro do automóvel um cara que nunca vi mais gordo e me diz que me leva pra onde eu quiser. Minha alma se ausenta do meu corpo e volta a tempo de eu pedir desculpas por ter confundido os veículos absolutamente idênticos – e quantos outros não há?

Três minutos depois, entro no carro certo. A noite mal começou e eu já garantindo meu lugar de piada. Tudo bem, afinal, ainda me sinto ótima. Estacionamos, não muito perto, pela dificuldade de encontrar vagas. Começamos a andar, a chuva resolve voltar. Pras cucuias o capricho com os cabelos. Por fim, sentamos num bar e, como está abafado lá dentro, eu, já ligeiramente desgrenhada, tiro o casaco e penso que nem tudo está perdido: resta o meu decote.

Papo vai, papo vem, eu deixo o meu celular na mesa, porque espero uma ligação. Aliás, a ligação já está uma hora atrasada. Por fim, o telefone toca. Ufa! E eu achando que ia levar uma volta. Em cinco minutos ele chega, bêbado, sem a menor capacidade de distinguir o meu decote do avental do garçom. Em compensação, também não pode notar que estou descabelada, com a pouca maquiagem borrada e a calça manchada de molho madeira do filet mignon que devorei enquanto esperava por ele.

Na mesa ao lado, há um grupo de sete, a faixa etária média é de uns 45 anos, mas tem gente de seus 60. Avisto, depois, alguém em torno dos 30. Reparo que não param de me olhar. Será que isso se deve ao fato de eu estar desgrenhada e suja de molho madeira? Que nada. As mesas estão muito próximas, alguém segura no meu braço, sem que seja necessário levantar da cadeira, e me diz, olhando bem pro meu decote: “há, nessa mesa, três pessoas interessadas em você. Por que não nos dá seu telefone?”. Com uma olhada rápida, descubro de onde parte o interesse. Eu nem tinha reparado, mas há dois casais ali. Ou seja, o restante está me querendo.

Solto uma risadinha meio sem jeito, tentando ser simpática, mas não dou o número. Fico bastante impressionada com a ousadia. Perguntam meu nome, eu educadamente respondo, e me viro de novo para escutar o que o meu companheiro bêbado está dizendo, porque ele não pára mais de falar. Dali a três minutos, o pessoal da mesa ao lado me chama outra vez. Pedem licença ao cavalheiro embriagado que me acompanha e me entregam um papel, com quatro números de celular (pelo visto, um dos casais não é tão sério quanto imaginei) e quatro nomes: Sônia, Malu, Beth e Verônica. Junto, um convite para uma festa GLS num clube em Copacabana. Agradeço a gentileza e peço a conta.

O bêbado mora ali por perto, vai andando pra casa, e – que sorte! – eu nem preciso carregá-lo.

Dispersão de público alvo

Véspera de feriado, quarta-feira com cara de sexta, decido sair com os amigos. Fico na dúvida em relação ao que vestir. Sabe quando mulher quer se sentir bonita? Pois então, ontem parecia ser meu dia. Experimento várias roupas, mas demoro até me dar por satisfeita. Na primeira tentativa, me sinto conservadora. Depois, ousada. Mulher fatal, Lolita. Muito casual, emperiquitada demais. Até que, enfim, me aprovo. Sóbria, de preto, um casaco de uma outra cor para quebrar um pouco. Blusa com decote sutil, bem feminina, nada vulgar. Dou um trato nas madeixas. Pouca maquiagem muito discreta. E pronto.

Saio e espero no local onde passariam para me buscar. Estou eu, maravilhosa, na rua, até que reconheço de longe o carro, que vem encostando, na minha direção. “Chegaram”, penso. Aí, resolvo bancar a engraçadinha: dou uma requebrada, coloco a mão direita na cintura, o dedo esquerdo na boca, faço biquinho e pisco os olhinhos. Sai de dentro do automóvel um cara que nunca vi mais gordo e me diz que me leva pra onde eu quiser. Minha alma se ausenta do meu corpo e volta a tempo de eu pedir desculpas por ter confundido os veículos absolutamente idênticos – e quantos outros não há?

Três minutos depois, entro no carro certo. A noite mal começou e eu já garantindo meu lugar de piada. Tudo bem, afinal, ainda me sinto ótima. Estacionamos, não muito perto, pela dificuldade de encontrar vagas. Começamos a andar, a chuva resolve voltar. Pras cucuias o capricho com os cabelos. Por fim, sentamos num bar e, como está abafado lá dentro, eu, já ligeiramente desgrenhada, tiro o casaco e penso que nem tudo está perdido: resta o meu decote.

Papo vai, papo vem, eu deixo o meu celular na mesa, porque espero uma ligação. Aliás, a ligação já está uma hora atrasada. Por fim, o telefone toca. Ufa! E eu achando que ia levar uma volta. Em cinco minutos ele chega, bêbado, sem a menor capacidade de distinguir o meu decote do avental do garçom. Em compensação, também não pode notar que estou descabelada, com a pouca maquiagem borrada e a calça manchada de molho madeira do filet mignon que devorei enquanto esperava por ele.

Na mesa ao lado, há um grupo de sete, a faixa etária média é de uns 45 anos, mas tem gente de seus 60. Avisto, depois, alguém em torno dos 30. Reparo que não param de me olhar. Será que isso se deve ao fato de eu estar desgrenhada e suja de molho madeira? Que nada. As mesas estão muito próximas, alguém segura no meu braço, sem que seja necessário levantar da cadeira, e me diz, olhando bem pro meu decote: “há, nessa mesa, três pessoas interessadas em você. Por que não nos dá seu telefone?”. Com uma olhada rápida, descubro de onde parte o interesse. Eu nem tinha reparado, mas há dois casais ali. Ou seja, o restante está me querendo.

Solto uma risadinha meio sem jeito, tentando ser simpática, mas não dou o número. Fico bastante impressionada com a ousadia. Perguntam meu nome, eu educadamente respondo, e me viro de novo para escutar o que o meu companheiro bêbado está dizendo, porque ele não pára mais de falar. Dali a três minutos, o pessoal da mesa ao lado me chama outra vez. Pedem licença ao cavalheiro embriagado que me acompanha e me entregam um papel, com quatro números de celular (pelo visto, um dos casais não é tão sério quanto imaginei) e quatro nomes: Sônia, Malu, Beth e Verônica. Junto, um convite para uma festa GLS num clube em Copacabana. Agradeço a gentileza e peço a conta.

O bêbado mora ali por perto, vai andando pra casa, e – que sorte! – eu nem preciso carregá-lo.

terça-feira, maio 24, 2005

Pequenos engasgados

Os alunos do curso têm muito receio de escrever. Atmosfera estranha... Levei um texto do Ferréz, literatura marginal. Mas antes, pedi que me dissessem o que a palavra "marginal" significava para eles. Rolou uma troca de olhares, quiseram que eu escolhesse outra palavra, se recusaram a responder. E mais troca de olhares... Até que alguns decidiram falar: "Malandragem, bandidagem, tráfico, arma, roubo", e por aí foi.

Falei do marginal que é o cara que está à margem, antes de ser bandido, malandro e pegar em armas. Eles, então, relaxaram.

Depois de uma atividade lá, cada um fez um texto de 15 linhas. O tema foi "Tenho raiva de...". Antes de escreverem, perguntaram se leriam em voz alta, se precisariam apresentar pros outros colegas da turma. Respondi que não, eles se sentiram mais confortáveis. A seguir, alguns trechos:


"Tenho raiva de quem não gosta de mim, da Diretora da escola, da criminalidade, da professora de português, do homem que matou meu pai".
M.S.

"Tenho raiva de bala perdida, porque mata inocentes. Tenho raiva dos políticos que roubam, porque as pessoas não têm dinheiro para gastar com o leite dos filhos, e ainda pagam impostos, e ainda são roubados pelos políticos".
J.M.

"Eu tenho raiva do meu pai porque ele nunca me deu nada em toda minha vida".
S.O.

"Tenho raiva de acordar e não ter o que comer
Tenho raiva de tanto que já chorei por medo de dormir e não mais acordar
Tenho raiva porque perdi meu primo no tráfico
Tenho raiva porque não posso voltar atrás do que perdi
A única coisa que tanto tenho raiva de ter é odiar quando simplesmente se quer amar"
M.N.

"Eu tenho raiva dessa pessoa, porque ela é muito folgada.
Quando ela aparece na televisão me dá um ódio; quando ela faz o programa dá vontade de nem escutar a televisão.
Ela é cheia do dinheiro, ela podia parar, descansar.
Não, quer ganhar mais para deixar a sua herança para a sua filha.
Ela faz propaganda de shampoo, ela podia deixar para outra pessoa pobre.
Ela podia dividir o seu dinheiro para as pessoas que passam necessidade.
Me dá uma vontade de xingar, aquela loura falsificada.
O nome dessa pessoa que tanto odeio é a Xuxa. Essa filha da mãe!"
L.R.

Pequenos engasgados

Os alunos do curso têm muito receio de escrever. Atmosfera estranha... Levei um texto do Ferréz, literatura marginal. Mas antes, pedi que me dissessem o que a palavra "marginal" significava para eles. Rolou uma troca de olhares, quiseram que eu escolhesse outra palavra, se recusaram a responder. E mais troca de olhares... Até que alguns decidiram falar: "Malandragem, bandidagem, tráfico, arma, roubo", e por aí foi.

Falei do marginal que é o cara que está à margem, antes de ser bandido, malandro e pegar em armas. Eles, então, relaxaram.

Depois de uma atividade lá, cada um fez um texto de 15 linhas. O tema foi "Tenho raiva de...". Antes de escreverem, perguntaram se leriam em voz alta, se precisariam apresentar pros outros colegas da turma. Respondi que não, eles se sentiram mais confortáveis. A seguir, alguns trechos:


"Tenho raiva de quem não gosta de mim, da Diretora da escola, da criminalidade, da professora de português, do homem que matou meu pai".
M.S.

"Tenho raiva de bala perdida, porque mata inocentes. Tenho raiva dos políticos que roubam, porque as pessoas não têm dinheiro para gastar com o leite dos filhos, e ainda pagam impostos, e ainda são roubados pelos políticos".
J.M.

"Eu tenho raiva do meu pai porque ele nunca me deu nada em toda minha vida".
S.O.

"Tenho raiva de acordar e não ter o que comer
Tenho raiva de tanto que já chorei por medo de dormir e não mais acordar
Tenho raiva porque perdi meu primo no tráfico
Tenho raiva porque não posso voltar atrás do que perdi
A única coisa que tanto tenho raiva de ter é odiar quando simplesmente se quer amar"
M.N.

"Eu tenho raiva dessa pessoa, porque ela é muito folgada.
Quando ela aparece na televisão me dá um ódio; quando ela faz o programa dá vontade de nem escutar a televisão.
Ela é cheia do dinheiro, ela podia parar, descansar.
Não, quer ganhar mais para deixar a sua herança para a sua filha.
Ela faz propaganda de shampoo, ela podia deixar para outra pessoa pobre.
Ela podia dividir o seu dinheiro para as pessoas que passam necessidade.
Me dá uma vontade de xingar, aquela loura falsificada.
O nome dessa pessoa que tanto odeio é a Xuxa. Essa filha da mãe!"
L.R.

sábado, maio 21, 2005

Do avesso

Bom, já que é para ter imagens, coisa que venho prometendo e nunca cumpro, resolvi postar uma que me traduzisse. Não sou mesmo uma graça?


Eu digerindo
Posted by Hello

Do avesso

Bom, já que é para ter imagens, coisa que venho prometendo e nunca cumpro, resolvi postar uma que me traduzisse. Não sou mesmo uma graça?


Eu digerindo
Posted by Hello

segunda-feira, maio 16, 2005

Algo sobre muito pouco

Por conta das minhas recentes digestões acerca de overdoses informacionais e da pergunta que finalizou meu último post, decidi falar a respeito daquilo que mais me remete a excesso: falta.

Uma vez me interroguei sobre as três coisas essenciais que me fariam feliz e sem as quais não poderia viver. Pensei em amados amigos (entre os quais incluo os amantes), livros e cinema. Depois disso, fiquei toda prosa de ter conseguido excluir das minhas essencialidades algo tão fundamental quanto viajar, por exemplo. Analisei bem, por fim concluí que dá sim para viver sem as sonhadas andanças, e ainda lembrei da citação budista: “o que não está bom aqui, não estará bom lá”.

Orgulhosa da minha renúncia a "quase todos" os prazeres, caí na besteira de mencionar isso para uma ex-aluna, do tempo das aulas voluntárias de inglês no morro do Preventório. K., daquele jeito meigo dela, me respondeu: “Cinema é legal mesmo! Fui a primeira vez no mês passado!”. Senti muita vontade de chorar por minha falta de sensibilidade. K. contava seus vinte anos na época, o que significa que ela passara duas décadas sem um dos itens da minha fórmula da vida feliz. Nem digo nada sobre livros...

Naquele mesmo dia, por coincidência, ela quis muito conversar. Convidei-a para um lanche, por minha conta, obviamente, mas ela recusou porque precisava preparar o jantar. Ofereci-me para ajudar a fazer o arroz e, com isso, conheci a casa onde ela morava de favor com uma senhora de 70 anos, empregada doméstica desde que tem lembrança, que, como é de se esperar, não tem condições de se aposentar. No lar simples, faltava tudo o que eu nem percebo que tenho. Na minha listinha, eu jamais me lembraria de escrever ‘água encanada’...

Muita gente cansa de ouvir tais histórias, que já viraram banais. Mas é muito diferente ver, vivenciar. Lembrei de um dia, numa festa no Rio Scenarium, de chopp custando 5 reais, em que a Lili abaixou a cabeça na mesa, de tristeza por pensar que nenhum dos alunos dela poderia estar ali, na Lapa antes tão marginal e, por isso, outrora tão “inclusiva”, em certo sentido.

Um dos tantos textos que me chama atenção na Bíblia é um Salmo, em que Deus fala para Davi que a verdadeira paz de uma certa cidade viria com a prosperidade das vizinhas. Sei que não cometo um crime social quando decido assistir a duas sessões de cinema por semana, mas queria muito que meu prazer fosse amplamente compartilhado. O cristianismo tem como símbolo uma mesa de comunhão, onde compartilha-se, antes de mais nada. De pão e vinho; de saciar, mas também de abundância em alegria. Como disse Frei Betto, o ser humano tem fome de pão e de beleza.

Agora, meu contato é com os meninos da Grota que, além de viverem na ausência do básico, como a K. do Preventório, ainda experimentam a violência diária do tráfico de drogas. Na segunda-feira passada, numa dinâmica com a turma, a Lili e eu perguntamos se desejavam um jornal em que eles mesmos pudessem se expressar acerca da realidade que ninguém de fora conhece melhor. Para nossa surpresa, não acham uma boa idéia. “Fotografar e escrever com os caras de fuzil na mão, tia?”.

Minha lista para a felicidade suprema ganhou muitos acréscimos. Acho que nunca serei plenamente feliz, mas minha paz interior guarda uma relação diretamente proporcional à minha capacidade de não me conformar e ao desejo de agir. Enquanto isso, sigo buscando. Há trabalho para duas vidas, mas espero que pelo menos uma valha à pena.

Algo sobre muito pouco

Por conta das minhas recentes digestões acerca de overdoses informacionais e da pergunta que finalizou meu último post, decidi falar a respeito daquilo que mais me remete a excesso: falta.

Uma vez me interroguei sobre as três coisas essenciais que me fariam feliz e sem as quais não poderia viver. Pensei em amados amigos (entre os quais incluo os amantes), livros e cinema. Depois disso, fiquei toda prosa de ter conseguido excluir das minhas essencialidades algo tão fundamental quanto viajar, por exemplo. Analisei bem, por fim concluí que dá sim para viver sem as sonhadas andanças, e ainda lembrei da citação budista: “o que não está bom aqui, não estará bom lá”.

Orgulhosa da minha renúncia a "quase todos" os prazeres, caí na besteira de mencionar isso para uma ex-aluna, do tempo das aulas voluntárias de inglês no morro do Preventório. K., daquele jeito meigo dela, me respondeu: “Cinema é legal mesmo! Fui a primeira vez no mês passado!”. Senti muita vontade de chorar por minha falta de sensibilidade. K. contava seus vinte anos na época, o que significa que ela passara duas décadas sem um dos itens da minha fórmula da vida feliz. Nem digo nada sobre livros...

Naquele mesmo dia, por coincidência, ela quis muito conversar. Convidei-a para um lanche, por minha conta, obviamente, mas ela recusou porque precisava preparar o jantar. Ofereci-me para ajudar a fazer o arroz e, com isso, conheci a casa onde ela morava de favor com uma senhora de 70 anos, empregada doméstica desde que tem lembrança, que, como é de se esperar, não tem condições de se aposentar. No lar simples, faltava tudo o que eu nem percebo que tenho. Na minha listinha, eu jamais me lembraria de escrever ‘água encanada’...

Muita gente cansa de ouvir tais histórias, que já viraram banais. Mas é muito diferente ver, vivenciar. Lembrei de um dia, numa festa no Rio Scenarium, de chopp custando 5 reais, em que a Lili abaixou a cabeça na mesa, de tristeza por pensar que nenhum dos alunos dela poderia estar ali, na Lapa antes tão marginal e, por isso, outrora tão “inclusiva”, em certo sentido.

Um dos tantos textos que me chama atenção na Bíblia é um Salmo, em que Deus fala para Davi que a verdadeira paz de uma certa cidade viria com a prosperidade das vizinhas. Sei que não cometo um crime social quando decido assistir a duas sessões de cinema por semana, mas queria muito que meu prazer fosse amplamente compartilhado. O cristianismo tem como símbolo uma mesa de comunhão, onde compartilha-se, antes de mais nada. De pão e vinho; de saciar, mas também de abundância em alegria. Como disse Frei Betto, o ser humano tem fome de pão e de beleza.

Agora, meu contato é com os meninos da Grota que, além de viverem na ausência do básico, como a K. do Preventório, ainda experimentam a violência diária do tráfico de drogas. Na segunda-feira passada, numa dinâmica com a turma, a Lili e eu perguntamos se desejavam um jornal em que eles mesmos pudessem se expressar acerca da realidade que ninguém de fora conhece melhor. Para nossa surpresa, não acham uma boa idéia. “Fotografar e escrever com os caras de fuzil na mão, tia?”.

Minha lista para a felicidade suprema ganhou muitos acréscimos. Acho que nunca serei plenamente feliz, mas minha paz interior guarda uma relação diretamente proporcional à minha capacidade de não me conformar e ao desejo de agir. Enquanto isso, sigo buscando. Há trabalho para duas vidas, mas espero que pelo menos uma valha à pena.