terça-feira, julho 25, 2006

Almanacão da Gi*

Dispersão de público alvo

Véspera de feriado, quarta-feira com cara de sexta, decido sair com os amigos. Fico na dúvida em relação ao que vestir. Sabe quando mulher quer se sentir bonita? Pois então, ontem parecia ser meu dia. Experimento várias roupas, mas demoro até me dar por satisfeita. Na primeira tentativa, me sinto conservadora. Depois, ousada. Mulher fatal, Lolita. Muito casual, emperiquitada demais. Até que, enfim, me aprovo. Sóbria, de preto, um casaco de uma outra cor para quebrar um pouco. Blusa com decote sutil, bem feminina, nada vulgar. Dou um trato nas madeixas. Pouca maquiagem muito discreta. E pronto.

Saio e espero no local onde passariam para me buscar. Estou eu, maravilhosa, na rua, até que reconheço de longe o carro, que vem encostando, na minha direção. “Chegaram”, penso. Aí, resolvo bancar a engraçadinha: dou uma requebrada, coloco a mão direita na cintura, o dedo esquerdo na boca, faço biquinho e pisco os olhinhos. Sai de dentro do automóvel um cara que nunca vi mais gordo e me diz que me leva pra onde eu quiser. Minha alma se ausenta do meu corpo e volta a tempo de eu pedir desculpas por ter confundido os veículos absolutamente idênticos – e quantos outros não há?

Três minutos depois, entro no carro certo. A noite mal começou e eu já garantindo meu lugar de piada. Tudo bem, afinal, ainda me sinto ótima. Estacionamos, não muito perto, pela dificuldade de encontrar vagas. Começamos a andar, a chuva resolve voltar. Pras cucuias o capricho com os cabelos. Por fim, sentamos num bar e, como está abafado lá dentro, eu, já ligeiramente desgrenhada, tiro o casaco e penso que nem tudo está perdido: resta o meu decote.

Papo vai, papo vem, eu deixo o meu celular na mesa, porque espero uma ligação. Aliás, a ligação já está uma hora atrasada. Por fim, o telefone toca. Ufa! E eu achando que ia levar uma volta. Em cinco minutos ele chega, bêbado, sem a menor capacidade de distinguir o meu decote do avental do garçom. Em compensação, também não pode notar que estou descabelada, com a pouca maquiagem borrada e a calça manchada de molho madeira do filet mignon que devorei enquanto esperava por ele.

Na mesa ao lado, há um grupo de sete, a faixa etária média é de uns 45 anos, mas tem gente de seus 60. Avisto, depois, alguém em torno dos 30. Reparo que não param de me olhar. Será que isso se deve ao fato de eu estar desgrenhada e suja de molho madeira? Que nada. As mesas estão muito próximas, alguém segura no meu braço, sem que seja necessário levantar da cadeira, e me diz, olhando bem pro meu decote: “há, nessa mesa, três pessoas interessadas em você. Por que não nos dá seu telefone?”. Com uma olhada rápida, descubro de onde parte o interesse. Eu nem tinha reparado, mas há dois casais ali. Ou seja, o restante está me querendo.

Solto uma risadinha meio sem jeito, tentando ser simpática, mas não dou o número. Fico bastante impressionada com a ousadia. Perguntam meu nome, eu educadamente respondo, e me viro de novo para escutar o que o meu companheiro bêbado está dizendo, porque ele não pára mais de falar. Dali a três minutos, o pessoal da mesa ao lado me chama outra vez. Pedem licença ao cavalheiro embriagado que me acompanha e me entregam um papel, com quatro números de celular (pelo visto, um dos casais não é tão sério quanto imaginei) e quatro nomes: Sônia, Malu, Beth e Verônica. Junto, um convite para uma festa GLS num clube em Copacabana. Agradeço a gentileza e peço a conta.

O bêbado mora ali por perto, vai andando pra casa, e – que sorte! – eu nem preciso carregá-lo.

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*Repostagem de antigas histórias. "Dispersão de público alvo" foi originalmente publicado no Digerindo..., no dia 26 de maio de 2005.

sábado, julho 22, 2006

Para compartilhar

No meu lugar, como vocês se sentiriam se vissem o que vi no Lameblogadas?

quinta-feira, julho 20, 2006

Dos dribles que me dou

Antigamente eu era nação rubro-negra de verdade. Lembro que em 1995, ano de centenário, de Romário no mengão, de Renato Gaúcho tirando o nosso título com gol tricolor de barriga, nessa época eu chorava com derrota do meu time. Lembro da escola, da musiquinha que ficavam cantando pra mim: "Vaaaaaaai Flamengo / Sou tricolor e nunca vi gol do Romário / Vaaaaaaai Flamengo / Sou campeão no ano do seu centenário".

Era o mengão perder e todo mundo me sacanear, e sacanear também o professor de ciências, que, antes da partida do tal gol de barriga, apostou o cavanhaque com os alunos tricolores e apareceu numa segunda-feira de cara lisa.

Minha paixão da época, um menino que morava perto da minha casa, era tricolor doente, assim como os seus melhores amigos, e eu ficava duplamente inconsolável quando ele saía pra comemorar vitória em cima do Flamengo e passava na minha frente, no carro abarrotado de homem, buzinando, com aquela bandeirona enorme nas cores do time da minha família inteira - de parte de pai (a italianada toda é verde, vermelho e branco, claro) e de mãe.

Aliás, engraçado isto: todo mundo tricolor e eu criança já gostava de torcer pelo flamengo (ninguém ligava muito pra futebol, bem verdade). Lembro de 1992, eu, com dez pra onze anos, dando voltas no pátio do prédio com o meu irmão, também rubro negro sabe-se lá o motivo, gritando "pentacampeããão!!!".

Ainda em 1995, depois de tanto suspirar pelo menino tricolor, comecei a namorar um flamenguista meia-bomba e, com isso, passei assim, sem graça, esquecida do futebol, cinco anos com ele. Fui relembrar emoção de jogo aos quase 19 anos, em 2000, quando, no kibbutz, em Israel, assisti o Flamengo X Vasco da final do campeonato estadual, transmitido pelo canal árabe. Senti aperto no peito por estar tão longe, por não ter aproveitado o Maracanã enquanto eu podia, e me prometi que pisaria naquelas arquibancadas assim que regressasse ao Brasil. Mas que nada... só vi o mengão no fim de 2001, quando dois suecos que estavam hospedados na minha casa (eles tinham sido voluntários no mesmo kibbutz que eu) me imploraram pra assistir o primeiro jogo da final da Copa Mercosul e eu, com dois suecos mais três ingleses que surgiram de última hora, parti pro Maracanã, corri atrás de cambista pra conseguir ingresso por uma pequena fortuna e presenciei o chocho zero a zero do Flamengo X San Lorenzo.

Ontem, confesso, eu não tava nem aí pro jogo. Mas foi ligar a TV e me veio um monte de recordação bacana, pensei na minha promessa nunca cumprida de aproveitar o Maracanã e me lembrei da história daquele condenado à morte, narrada n’O Idiota pelo príncipe Míchkin:

… ele dizia que naquele momento não havia nada mais difícil para ele do que um pensamento contínuo: “E se eu não morrer! E se eu fizer a vida retornar – que eternidade! E tudo isso seria meu! E então eu transformaria cada minuto em todo um século, nada perderia, calcularia cada minuto para que nada perdesse gratuitamente!”. Ele dizia que esse pensamento acabou se transformando em tamanha raiva dentro dele que teve vontade de que o fuzilassem o mais rápido possível.
(…)
(―) ora, mudaram a sentença dele, logo, deram-lhe essa “vida infinita”. Então, o que depois ele fez dessa riqueza?
(…)
(―) perdeu muitos e muitos minutos...


O Maraca que me aguarde. E viva o Flamengo!

Que time é teu?

O amigo canadense me vê online no msn e começa a conversa, às dez da manhã, nove em Toronto, da seguinte maneira:

- you want Men to Go?

Eu solto um "what???????????" e ele esclarece de onde vem a pergunta:

- your MSN name is MeeeeeenGoooooo

A partir de hoje só grito MENGÃO. Just in case...

segunda-feira, julho 17, 2006

Humor nem tão negro assim

― Mãe, caiu outro pedaço de carne na minha sopa...
― Ai, que merda ter filho leproso!

Lembrei da lepra exagerada das piadas infanto-juvenis de outros tempos. A graça vem caricatura da mutilação e, aí, as imagens mentais que se criam acabam neutralizando o nefasto. Pensando bem, é divertido imaginar alguém que larga seus pedaços por aí. E, no fim das contas, é o que todos fazemos: largamos nossos pedaços por aí, pelo caminho.

É isso. Acho que a vida é uma constante mutilação ― e não há doença nisso! A lepra se dá quando a gente fica voltando pra buscar pedaço carcomido, em vez de virar esponja, feito o Bob Esponja, e se reconstituir.

Aliás, isto das esponjas marítimas me intriga: se sempre se reconstituem, elas morrem de quê afinal? De cansaço de viver se reconstituindo, deve ser...

quinta-feira, julho 06, 2006

Sobre ipês desbotados

Já cheguei a subestimar minha imaginação. Julgava-me, sim, dona de um olhar atento para o simples e que, por isso, a vida se arreganhava pra mim, e me contava belas estórias para que eu, então, as passasse adiante com o meu jeito próprio de narrar. Mas não é nada disso. Eu não sinto, prevejo ou compreendo o que quer que seja: invento tudo e materializo verdades com minhas palavras.

Hoje tenho dúvidas a respeito de muito do que vivi. Só o que há são essas palavras duvidosas a materializar inexistências. Com tamanha capacidade de colorir e florear, às vezes acho que vou descobrir um gigantesco nada por detrás das minhas imaginárias telas coloridas e das inventadas pétalas que deixo pelo caminho. Caminho esse que, bem capaz, talvez, igualmente, inexista.

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Certos estados de apatia germinam em belas terras, enquanto que chafurdados no mangue podre restam mil projetos e formas de vida. Falta de efervescência me dá azia; linearidade é algo que me apavora, muitas vezes.

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Por sorte sou mais de uma. Parte de mim só faz merda, enquanto a outra ri dos vexames. Diversão garantida. Poucos se sentiram tão completos, provavelmente.

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- aconteceu alguma coisa?

- minhas certezas me sufocam, só isso.

- ai, meu deus... pessoa enigmática!

- eu tenho vontade de chorar pelas minhas escolhas que julgo certas. não importa. questões existenciais.

- pra mim importa

- ando lendo mto simone de beauvoir...

- não gosto de saber que vc tá triste.

- não é bem triste. sufocada. s-u-f-o-c-a-d-a.

- que seja... qq coisa que te incomode.

- já passou.

- se precisar de qq coisa, por favor me ligue.... eu teria ido aí e te levado pra beber uma cerveja...

- sempre passa... aliás, não sei por que choro se sei que vai passar.

- a gente ficava falando um monte de besteira e vc nem ia pensar em nada!!

- se bem que costuma passar só depois que choro, então é válido chorar

- huahuahuahua

- taí, vou passar a chorar sempre, por precaução...

- surtou...

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Em tempo: fodam-se os jogadores de futebol.

terça-feira, julho 04, 2006

E o canário fez que nem holandês voador...

O dia amanheceu lindo naquele já distante primeiro domingo do inverno (tanta bola - rolada, parada e nas costas – desde então...). Manhã azul pra reforçar a fama do céu de junho e sol quente pra abençoar o Rio de Janeiro. Um dia, canarinho, você se encanta também. Por enquanto eu fico de cá te embalando com palavras...

Foi no domingo bonito feito assim que fiquei dividida. Já havia torcido contra os hermanos e bom que ganhei um empate diplomático. Mas, antes mesmo do começo de Portugal e Holanda, meu coração já doía. Dureza não apoiar o Felipão, ainda mais porque assisti o jogo na praia de Ipanema - aliás, temos fotos juntos lá, sabia? Falta agora eu te levar no Arpoador, onde as pessoas aplaudem o pôr-do-sol. Era lá que eu estava pouco antes do início da partida...

Precisei ser discreta pra ninguém perceber minha torcida, alaranjada feito o sol que se pusera havia pouco. Mas Felipão venceu, a despeito de minhas pragas pouco convincentes. Mal sabia eu que aquela seria uma vitória providencial, melhor dos consolos para as derrotas que se seguiriam. Não só a do Brasil – fique claro! - pois, creia-me, chorei com os hermanos.

Acho engraçado tudo agora. O tal do grito de doelpunt contra o Brasil deixou de acontecer não só devido a despedida da seleção holandesa. No fim das contas, nos disseram (ou nos dissemos?) au revoir. O curioso é que, enquanto nos entristecíamos por aqui, você aproveitava as férias na França.

Hum... Canarinho laranja, não me diga que você se transformou num galo!?!?