quinta-feira, julho 14, 2005

A esgotar meus verbos

Alguém me confessou ter medo da felicidade, por ser ela tão fugaz. Percebi que isso não me incomoda e conheço bem a razão: vivo como se estivesse a escrever uma autobiografia, ou, quem sabe, contando histórias para netos que hão de vir. Mesmo os maus momentos rendem boas histórias. Descobri que vivo mais pelas histórias que pelos momentos. Sou personagem para as minhas próprias narrativas, contos, poemas. Protagonista, coadjuvante, atuante, observadora. Contracenar, interpretar ou narrar. Tanto faz, me faz feliz.

Quis compartilhar, não sei se consegui. Meus momentos de extrema felicidade acontecem quando me sinto (pareço estar) à frente das minhas vivências. Quando eu trabalhava na Glória, todos os dias descia do ônibus nos Arcos da Lapa e caminhava um bom pedaço. Percurso de olhar para os rostos, sentir na face os raios de luminosidade carioca, aspirar o fedor inebriante das esquinas repletas de humanidades. Nessas horas me invadia uma saudade quase dolorida das ruas do Rio de Janeiro, aquelas mesmas que eu tinha diante dos meus olhos. Como se eu não estivesse vivendo, mas recordando. Gabriel García Márquez... À frente de mim mesma todas as sensações características de quem recorda no futuro, quando ele vira presente.

Perguntaram se não acho que me exponho ao escrever aqui. Penso que não, porque antes de escrever já deixei de ser. Acabo de me lembrar de Nietzsche. Não foi ele que disse que alguns homens nascem póstumos? Desconheço o significado de suas palavras, talvez poucas pessoas tenham entendido o que ele quis dizer, muito provavelmente ninguém. Mas, como todo mundo, interpreto. Vejo agora como faz sentido falar em memórias póstumas. Sempre amei Machado de Assis, agora com minhas vísceras. Só muito vivo se escreve postumamente. À frente de mim mesma, posso dizer do que já morreu, do que somente é na lembrança. Essa, pra mim, é a vivência suprema. Póstuma felicidade da vivência suprema. Felicidade suprema da vivência póstuma. Felicidade da vivência póstuma suprema. Póstuma vivência da felicidade suprema. Póstuma. Vivência. Felicidade. O que é supremo será divino?

Vivo num mundo de sonhos que torna o real insuportável. Mentira. Vivo o mundo real e os que não sonham me são insuportáveis. Depois dos momentos mágicos, parece enfadonho abdicar da poesia...

Descobri também que tudo pode ser banal ou mágico. A diferença entre um e outro se esconde no meu olhar. Deus não me castiga pelos meus pecados. Eu, sozinha, por mim mesma, sofro por não me encantar. Meu pecado se dá quando já não pasmo mais. Existe um mistério transcendente no amor e isso jamais se esgota. O que torna minha solidão mais aguda não é imaginar que jamais entenderão os meus mistérios, mas o medo de que alguém os compreenda e, assim, eles deixem de fazer sentido.

Viver em função da cristalização dos extremos é negar a essência de movimento, a pulsação. Tomo a imagem de um pêndulo: os pólos, com velocidade nula, significam a inércia, mas ela se faz momentânea e prenhe de movimento. Felicidade e tristeza são pólos. Mas a maior parte da parábola é feita de trajeto. Trajetória, movimento, caminho. Há mais ir que chegar.

Eu tinha uma dúvida em relação ao equilíbrio. Descobri que o equilíbrio é o movimento em si. As paradas são os picos fugidios. No equilíbrio aflora a beleza do ordinário para além do êxtase do extraordinário. Nem exaltação da santa, nem apedrejamento da puta. Banidos os heróis, exilados os bandidos. Resta um mundo de essencialmente humanos.

Perdoa-me se suas agonias me geram reflexão. Eu ando mesmo muito sozinha...

A esgotar meus verbos

Alguém me confessou ter medo da felicidade, por ser ela tão fugaz. Percebi que isso não me incomoda e conheço bem a razão: vivo como se estivesse a escrever uma autobiografia, ou, quem sabe, contando histórias para netos que hão de vir. Mesmo os maus momentos rendem boas histórias. Descobri que vivo mais pelas histórias que pelos momentos. Sou personagem para as minhas próprias narrativas, contos, poemas. Protagonista, coadjuvante, atuante, observadora. Contracenar, interpretar ou narrar. Tanto faz, me faz feliz.

Quis compartilhar, não sei se consegui. Meus momentos de extrema felicidade acontecem quando me sinto (pareço estar) à frente das minhas vivências. Quando eu trabalhava na Glória, todos os dias descia do ônibus nos Arcos da Lapa e caminhava um bom pedaço. Percurso de olhar para os rostos, sentir na face os raios de luminosidade carioca, aspirar o fedor inebriante das esquinas repletas de humanidades. Nessas horas me invadia uma saudade quase dolorida das ruas do Rio de Janeiro, aquelas mesmas que eu tinha diante dos meus olhos. Como se eu não estivesse vivendo, mas recordando. Gabriel García Márquez... À frente de mim mesma todas as sensações características de quem recorda no futuro, quando ele vira presente.

Perguntaram se não acho que me exponho ao escrever aqui. Penso que não, porque antes de escrever já deixei de ser. Acabo de me lembrar de Nietzsche. Não foi ele que disse que alguns homens nascem póstumos? Desconheço o significado de suas palavras, talvez poucas pessoas tenham entendido o que ele quis dizer, muito provavelmente ninguém. Mas, como todo mundo, interpreto. Vejo agora como faz sentido falar em memórias póstumas. Sempre amei Machado de Assis, agora com minhas vísceras. Só muito vivo se escreve postumamente. À frente de mim mesma, posso dizer do que já morreu, do que somente é na lembrança. Essa, pra mim, é a vivência suprema. Póstuma felicidade da vivência suprema. Felicidade suprema da vivência póstuma. Felicidade da vivência póstuma suprema. Póstuma vivência da felicidade suprema. Póstuma. Vivência. Felicidade. O que é supremo será divino?

Vivo num mundo de sonhos que torna o real insuportável. Mentira. Vivo o mundo real e os que não sonham me são insuportáveis. Depois dos momentos mágicos, parece enfadonho abdicar da poesia...

Descobri também que tudo pode ser banal ou mágico. A diferença entre um e outro se esconde no meu olhar. Deus não me castiga pelos meus pecados. Eu, sozinha, por mim mesma, sofro por não me encantar. Meu pecado se dá quando já não pasmo mais. Existe um mistério transcendente no amor e isso jamais se esgota. O que torna minha solidão mais aguda não é imaginar que jamais entenderão os meus mistérios, mas o medo de que alguém os compreenda e, assim, eles deixem de fazer sentido.

Viver em função da cristalização dos extremos é negar a essência de movimento, a pulsação. Tomo a imagem de um pêndulo: os pólos, com velocidade nula, significam a inércia, mas ela se faz momentânea e prenhe de movimento. Felicidade e tristeza são pólos. Mas a maior parte da parábola é feita de trajeto. Trajetória, movimento, caminho. Há mais ir que chegar.

Eu tinha uma dúvida em relação ao equilíbrio. Descobri que o equilíbrio é o movimento em si. As paradas são os picos fugidios. No equilíbrio aflora a beleza do ordinário para além do êxtase do extraordinário. Nem exaltação da santa, nem apedrejamento da puta. Banidos os heróis, exilados os bandidos. Resta um mundo de essencialmente humanos.

Perdoa-me se suas agonias me geram reflexão. Eu ando mesmo muito sozinha...