quinta-feira, dezembro 29, 2005

Eu, por mim mesma - Tomo quinto, parte dois

"Passada a limpo em pouca quadras"

música: Goodnight Goodnight, do Hot Hot Heat

“So goodnight, goodnight.
You're embarassing me,
you're embarassing you.
So goodnight, goodnight.
Walk away from the door,
walk away from my life.”


Meu amigo retorna, senta e não faz comentários. O “último absoluto” vem logo em seguida, com a “companhia”. Passam por nós, ambos cumprimentam minha amiga, que segue com seu workshop de caixinhas, pois, ali, ela é a mestra. Ele, antes de ir para a sua mesa, mostra que é mestre na arte de pronunciar o maior número de frases desajeitadas seqüenciais no menor tempo possível.

Quando ele vira as costas, deixa um silêncio que, apesar de perturbador, não me dissuade da firme resolução de não quebrá-lo. Por fim, alguém faz isso por mim e eu, então, me sinto livre pra perguntar se o meu amigo acha que os dois estão juntos. Meu amigo, que outrora negara essa possibilidade com veemência, agora balança a cabeça afirmativamente.

Sorte que eu ainda tenho caixas para montar com as micas dobradas, porque, do contrário, não saberia para onde olhar, nem o que fazer com as mãos. Mas tanta arte-terapia não é suficiente para afastar os pensamentos todos que me vêm em velocidade esquizofrênica. Efeitos desta noite de Natal cheia de coincidências – ou milagres, ou sincronicidades. Sim, porque este bar é dos meus favoritos, mas nunca é aqui que tomo a cerveja dos domingos. Tampouco vivo a carregar uma sacola de lembranças e um coração apertado nas minhas noites natalinas – dominicais e chuvosas ou não.

O casal anuncia que precisa ir embora em 10 minutos. A amiga que deveria receber a sacola, a esta altura, já avisou que não vem. Imediatamente, tento falar, mais uma vez, com a amiga que já não ganhará DVDs piratas do Chico. Sem sucesso.

Eu, então, pego meu celular, me levanto, saio do bar e ligo para o mesmo número que liguei, pela primeira vez em quase dois anos, há poucos dias atrás. Diferentemente de antes, agora obtenho como resposta o alô tão familiar. É ele, meu ex-namorado. O “autor da frase célebre”, o meu “último relacionamento duradouro que deixou de durar”. O homem que mais amei nessa minha vida, a qual ainda há de preencher-se de tantos anos e amores.

As palavras trocadas são, mais que cordiais, engraçadas, descontraídas. Ele está em sua casa, distante dali apenas duas quadras, onde acontece uma confraternização com os amigos que tão bem conheço de outras confraternizações. Apesar do papel de anfitrião da noite, ele diz que se encontrará comigo em 40 minutos e levará alguns de seus convidados que não vejo há dois anos.

Volto para a mesa, o casal pergunta com quem eu falava. Eu respondo e, pela segunda vez na noite, recebo olhares incrédulos. Peço que esperem até que ele chegue, mas isso não é mesmo possível. Da minha mente, incapaz de assimilar os tantos pensamentos esquizofrênicos, brota uma idéia infeliz que dribla facilmente minha autocensura fragilizada e conta com os favores da minha impulsividade.

Caminho até o outro casal, composto pelo “último absoluto” e sua companhia, aviso que os que me acompanham partirão em poucos minutos e proponho, como espero outras pessoas, que eles se mudem para a minha mesa, pra que os lugares sejam marcados e os amigos que aguardo não tenham que enfrentar a fila para entrar. Ambos fazem cara de pinheiro seco e, como para o meu convite descabido parece não existir resposta sensata, eles aceitam.

Vou ao banheiro, me olho no espelho e tento calcular o tamanho do estrago causado pela dormência do meu senso de ridículo. Nessa de me olhar no espelho, vejo que meu dente da frente está verde, sujo de salsa do caldinho de feijão que tomei, e meu cabelo continua brilhando, com resquícios da purpurina que uma Drag Queen jogou em mim na festa de sexta-feira. Concluo, então, que o vexame foi maior do que eu imaginava.

É um absurdo permanecer assim. Volto à minha mesa e decido ir-me com o casal de amigos, para me encontrar com os demais em qualquer lugar que não este. Despeço-me do outro casal e, com um sorrisinho amarelo (não mais verde de salsa), comento que minha proposta foi uma idéia de jerico, afinal eles é que perderiam a mesa. Os dois pinheiros secos concordam – aliviados, provavelmente.

Com a mudança de planos e horários, meu destino é a casa do ex. Apesar das tantas pessoas queridas que celebram o Natal no apartamento dele, não subo para vê-las, porque não pretendo demorar. O abraço é forte, como tem que ser. A primeira coisa que digo é que venho em busca de um depoimento, já que estou escrevendo um livro cujo título é "Alta Fidelidade” *. Ele dá uma gargalhada e confessa que, neste Natal, também sentiu vontade de buscar depoimentos assim, inclusive o meu.

A conversa de portaria dura uma hora e meia. Do tanto que falamos, sobra agora o que contar...

Quando, por fim, nos despedimos, o relógio me mostra que falta pouco para uma da manhã. Ligo para a minha amiga que deveria ter recebido a sacola e, como ela trabalha no mesmo lugar que o “último absoluto” e a “companhia”, pergunto se o que vi horas antes, vi de fato. Ela confirma que ouviu rumores há alguns dias.

O último telefonema da noite, transformada em moça madrugada, é para minha amiga que não mais ganhará DVDs do Chico. Ela também mora por perto, a algumas quadras, e é lá que descansarei até o Natal passar de vez.

Não dormimos até que, com Chico Buarque tocando ao fundo, eu a coloque à par dos detalhes da minha crônica natalina. Talvez pela forma como conto e como vejo tudo agora, ela ri em diversos momentos. Certamente, os acontecimentos de há pouco estão longe de constituírem uma tragédia. A amiga sabiamente conclui que o destino, neste Natal, me presenteou com concisão geográfica. Minha vida passada a limpo em pouca quadras...

Já deitada na cama, insone mas tranqüila, certa de que o dia qualquer hora amanhece, penso que, mais que uma dor pra chorar, tenho uma história pra escrever.

E a história do “último absoluto” acaba assim, da maneira mais consoladora pra quem amou: sem mais o que dizer.



**************

*em menção ao filme de mesmo nome, em que o personagem principal, vivendo uma separação, vai atrás de cinco ex-namoradas para descobrir algo sobre si próprio.

Eu, por mim mesma - Tomo quinto, parte dois

"Passada a limpo em pouca quadras"

música: Goodnight Goodnight, do Hot Hot Heat

“So goodnight, goodnight.
You're embarassing me,
you're embarassing you.
So goodnight, goodnight.
Walk away from the door,
walk away from my life.”


Meu amigo retorna, senta e não faz comentários. O “último absoluto” vem logo em seguida, com a “companhia”. Passam por nós, ambos cumprimentam minha amiga, que segue com seu workshop de caixinhas, pois, ali, ela é a mestra. Ele, antes de ir para a sua mesa, mostra que é mestre na arte de pronunciar o maior número de frases desajeitadas seqüenciais no menor tempo possível.

Quando ele vira as costas, deixa um silêncio que, apesar de perturbador, não me dissuade da firme resolução de não quebrá-lo. Por fim, alguém faz isso por mim e eu, então, me sinto livre pra perguntar se o meu amigo acha que os dois estão juntos. Meu amigo, que outrora negara essa possibilidade com veemência, agora balança a cabeça afirmativamente.

Sorte que eu ainda tenho caixas para montar com as micas dobradas, porque, do contrário, não saberia para onde olhar, nem o que fazer com as mãos. Mas tanta arte-terapia não é suficiente para afastar os pensamentos todos que me vêm em velocidade esquizofrênica. Efeitos desta noite de Natal cheia de coincidências – ou milagres, ou sincronicidades. Sim, porque este bar é dos meus favoritos, mas nunca é aqui que tomo a cerveja dos domingos. Tampouco vivo a carregar uma sacola de lembranças e um coração apertado nas minhas noites natalinas – dominicais e chuvosas ou não.

O casal anuncia que precisa ir embora em 10 minutos. A amiga que deveria receber a sacola, a esta altura, já avisou que não vem. Imediatamente, tento falar, mais uma vez, com a amiga que já não ganhará DVDs piratas do Chico. Sem sucesso.

Eu, então, pego meu celular, me levanto, saio do bar e ligo para o mesmo número que liguei, pela primeira vez em quase dois anos, há poucos dias atrás. Diferentemente de antes, agora obtenho como resposta o alô tão familiar. É ele, meu ex-namorado. O “autor da frase célebre”, o meu “último relacionamento duradouro que deixou de durar”. O homem que mais amei nessa minha vida, a qual ainda há de preencher-se de tantos anos e amores.

As palavras trocadas são, mais que cordiais, engraçadas, descontraídas. Ele está em sua casa, distante dali apenas duas quadras, onde acontece uma confraternização com os amigos que tão bem conheço de outras confraternizações. Apesar do papel de anfitrião da noite, ele diz que se encontrará comigo em 40 minutos e levará alguns de seus convidados que não vejo há dois anos.

Volto para a mesa, o casal pergunta com quem eu falava. Eu respondo e, pela segunda vez na noite, recebo olhares incrédulos. Peço que esperem até que ele chegue, mas isso não é mesmo possível. Da minha mente, incapaz de assimilar os tantos pensamentos esquizofrênicos, brota uma idéia infeliz que dribla facilmente minha autocensura fragilizada e conta com os favores da minha impulsividade.

Caminho até o outro casal, composto pelo “último absoluto” e sua companhia, aviso que os que me acompanham partirão em poucos minutos e proponho, como espero outras pessoas, que eles se mudem para a minha mesa, pra que os lugares sejam marcados e os amigos que aguardo não tenham que enfrentar a fila para entrar. Ambos fazem cara de pinheiro seco e, como para o meu convite descabido parece não existir resposta sensata, eles aceitam.

Vou ao banheiro, me olho no espelho e tento calcular o tamanho do estrago causado pela dormência do meu senso de ridículo. Nessa de me olhar no espelho, vejo que meu dente da frente está verde, sujo de salsa do caldinho de feijão que tomei, e meu cabelo continua brilhando, com resquícios da purpurina que uma Drag Queen jogou em mim na festa de sexta-feira. Concluo, então, que o vexame foi maior do que eu imaginava.

É um absurdo permanecer assim. Volto à minha mesa e decido ir-me com o casal de amigos, para me encontrar com os demais em qualquer lugar que não este. Despeço-me do outro casal e, com um sorrisinho amarelo (não mais verde de salsa), comento que minha proposta foi uma idéia de jerico, afinal eles é que perderiam a mesa. Os dois pinheiros secos concordam – aliviados, provavelmente.

Com a mudança de planos e horários, meu destino é a casa do ex. Apesar das tantas pessoas queridas que celebram o Natal no apartamento dele, não subo para vê-las, porque não pretendo demorar. O abraço é forte, como tem que ser. A primeira coisa que digo é que venho em busca de um depoimento, já que estou escrevendo um livro cujo título é "Alta Fidelidade” *. Ele dá uma gargalhada e confessa que, neste Natal, também sentiu vontade de buscar depoimentos assim, inclusive o meu.

A conversa de portaria dura uma hora e meia. Do tanto que falamos, sobra agora o que contar...

Quando, por fim, nos despedimos, o relógio me mostra que falta pouco para uma da manhã. Ligo para a minha amiga que deveria ter recebido a sacola e, como ela trabalha no mesmo lugar que o “último absoluto” e a “companhia”, pergunto se o que vi horas antes, vi de fato. Ela confirma que ouviu rumores há alguns dias.

O último telefonema da noite, transformada em moça madrugada, é para minha amiga que não mais ganhará DVDs do Chico. Ela também mora por perto, a algumas quadras, e é lá que descansarei até o Natal passar de vez.

Não dormimos até que, com Chico Buarque tocando ao fundo, eu a coloque à par dos detalhes da minha crônica natalina. Talvez pela forma como conto e como vejo tudo agora, ela ri em diversos momentos. Certamente, os acontecimentos de há pouco estão longe de constituírem uma tragédia. A amiga sabiamente conclui que o destino, neste Natal, me presenteou com concisão geográfica. Minha vida passada a limpo em pouca quadras...

Já deitada na cama, insone mas tranqüila, certa de que o dia qualquer hora amanhece, penso que, mais que uma dor pra chorar, tenho uma história pra escrever.

E a história do “último absoluto” acaba assim, da maneira mais consoladora pra quem amou: sem mais o que dizer.



**************

*em menção ao filme de mesmo nome, em que o personagem principal, vivendo uma separação, vai atrás de cinco ex-namoradas para descobrir algo sobre si próprio.

terça-feira, dezembro 27, 2005

Eu, por mim mesma - Tomo quinto

"História que não pára de acontecer"

música: Jingle Jangle, do Hot Hot Heat

“another day, another night, another year
another smile, another lie, another tear
its bad enough this is all I've got
I never thought I'd end up here”



No meu caminho para a Igreja, onde haverá uma celebração de Natal, um desabafo me escapole em forma de oração: “Eu queria aprender a amar sem me perder de mim”.

Carrego um coração apertado e uma sacola que aperto entre os dedos, a qual deverá ser entregue à amiga que trabalha com o “último absoluto”. Ali dentro, objetos a serem devolvidos, porque não suporto mais escancarar lembranças todas as vezes que abro meu armário.

Há dois dias, como combinado, foram deixados com ela meus DVDs – entre os quais, o box do Chico Buarque. Pedi que ele os copiasse para outra amiga, com quem, por acaso, também me encontrarei em algumas horas. Ele não chegou a copiar, o que não chega a ser surpresa. O não-cumprimento sempre foi o destino de suas promessas.

Na igreja, tudo é tão bonito, a música, as luzes, que me dá paz. Lembro-me de Dostoiévski: “A beleza salvará o mundo”...

Ao término, vou para o bar onde, daqui a pouco, encontrarei a amiga que deverá receber a sacola. Um casal, meu amigo dos tempos de colégio e minha amiga de faculdade, me acompanha sem intenção de demora. Eles se conheceram por minha causa, começaram a namorar e, logo depois, meu amigo dos tempos de colégio me apresentou para o “último absoluto”.

Ligo para a amiga que já não ganhará DVDs piratas do Chico. Ela avisa que está em outro lugar, com um outro pessoal, mas que aparece mais tarde.

Na mesa, o casal e eu nos divertimos entre conversas, arranjos para a festa do Reveillon, chopes e caixas. Sim, porque estamos concentrados na fabricação de pequenas caixas feitas daqueles cartõezinhos publicitários dobrados – os que chamam de “mica”. A sacola permanece do meu lado, ali no chão. Meu coração torna a ficar apertado e não consigo deixar de voltar os meus olhos para a rua, para a porta do bar. Então, entre uma dobradura e outra, numa dessas insistentes espiadas, eu o vejo na fila, esperando para entrar.

Continuo o meu trabalho de construção de caixas até que, finalmente, anuncio sua chegada aos amigos da mesa, que riem imaginando se tratar de uma piada e que mal se convencem depois de constatarem que não. Sem pensar, por já não conseguir, passo a mão na sacola e vou até lá.

Ele está usando a mesma camisa da nossa primeira noite juntos. A mesma que vesti depois de ter estado despida, quando me vi cansada e feliz, no apartamento da amiga que, nesta noite de Natal, deveria receber a sacola que, agora, entregarei pessoalmente a quem por direito pertence.

Ele não está sozinho. Literalmente pula de susto quando me vê. Eu o cumprimento com dois beijos no rosto e entrego a sacola. “Que bom que não preciso mais carregar isto”, digo. Visivelmente desconcertado, me apresenta a sua companhia - que, por sinal, já conheço, mas ele não parece estar em condições de se lembrar disso. Assim como minha amiga, a “companhia” também trabalha com ele. Eu a conheci na última vez que nós dois nos encontramos, tão casualmente quanto agora, bem perto deste mesmo bar, quando tudo era mais recente do que ainda é. Naquele vinte e cinco de novembro -há exatamente um mês! - ele estava com um grupo de amigos do trabalho, do qual ela, a companhia, fazia parte; simplesmente, supostamente. Até aqui, tampouco vejo o que contrarie essa verdade, apesar do desconcerto dele, de suas palavras desencontradas, como as minhas. Apesar do bar a dois nesta noite chuvosa de Natal.

Tudo isso acontece em menos de dois minutos, eu acho. Afinal, minha noção de tempo, agora distorcida, faz com que tudo me venha como flashes: imagens, vozes, meus próprios gestos. Volto para a mesa e o deixo na fila após ter lhe dado um bom motivo (maior que a fila) para ir embora imediatamente. Meu amigo dos tempos de colégio, também amigo dele, se levanta e vai até lá.

Retomo minha tarefa de dobrar cartões para continuar a construir caixas, sem deixar de pensar que, segundo a minha mais recente teoria sobre amores contrariados, ele é a maior caixa que criei.


Continua no próximo post

****

Personagens presentes, por ordem de aparição:

Eu, por mim mesma;
Um casal: ele, meu amigo dos tempos de colégio. Ela, amiga de faculdade;
O "último absoluto";
A amiga de trabalho do "último absoluto".

Personagens citados:

Minha amiga que também trabalha com o "último absoluto", quem deveria ter recebido a sacola. Amiga minha, não dele;
Minha amiga que não mais ganhará DVDs piratas de presente.

Eu, por mim mesma - Tomo quinto

"História que não pára de acontecer"

música: Jingle Jangle, do Hot Hot Heat

“another day, another night, another year
another smile, another lie, another tear
its bad enough this is all I've got
I never thought I'd end up here”



No meu caminho para a Igreja, onde haverá uma celebração de Natal, um desabafo me escapole em forma de oração: “Eu queria aprender a amar sem me perder de mim”.

Carrego um coração apertado e uma sacola que aperto entre os dedos, a qual deverá ser entregue à amiga que trabalha com o “último absoluto”. Ali dentro, objetos a serem devolvidos, porque não suporto mais escancarar lembranças todas as vezes que abro meu armário.

Há dois dias, como combinado, foram deixados com ela meus DVDs – entre os quais, o box do Chico Buarque. Pedi que ele os copiasse para outra amiga, com quem, por acaso, também me encontrarei em algumas horas. Ele não chegou a copiar, o que não chega a ser surpresa. O não-cumprimento sempre foi o destino de suas promessas.

Na igreja, tudo é tão bonito, a música, as luzes, que me dá paz. Lembro-me de Dostoiévski: “A beleza salvará o mundo”...

Ao término, vou para o bar onde, daqui a pouco, encontrarei a amiga que deverá receber a sacola. Um casal, meu amigo dos tempos de colégio e minha amiga de faculdade, me acompanha sem intenção de demora. Eles se conheceram por minha causa, começaram a namorar e, logo depois, meu amigo dos tempos de colégio me apresentou para o “último absoluto”.

Ligo para a amiga que já não ganhará DVDs piratas do Chico. Ela avisa que está em outro lugar, com um outro pessoal, mas que aparece mais tarde.

Na mesa, o casal e eu nos divertimos entre conversas, arranjos para a festa do Reveillon, chopes e caixas. Sim, porque estamos concentrados na fabricação de pequenas caixas feitas daqueles cartõezinhos publicitários dobrados – os que chamam de “mica”. A sacola permanece do meu lado, ali no chão. Meu coração torna a ficar apertado e não consigo deixar de voltar os meus olhos para a rua, para a porta do bar. Então, entre uma dobradura e outra, numa dessas insistentes espiadas, eu o vejo na fila, esperando para entrar.

Continuo o meu trabalho de construção de caixas até que, finalmente, anuncio sua chegada aos amigos da mesa, que riem imaginando se tratar de uma piada e que mal se convencem depois de constatarem que não. Sem pensar, por já não conseguir, passo a mão na sacola e vou até lá.

Ele está usando a mesma camisa da nossa primeira noite juntos. A mesma que vesti depois de ter estado despida, quando me vi cansada e feliz, no apartamento da amiga que, nesta noite de Natal, deveria receber a sacola que, agora, entregarei pessoalmente a quem por direito pertence.

Ele não está sozinho. Literalmente pula de susto quando me vê. Eu o cumprimento com dois beijos no rosto e entrego a sacola. “Que bom que não preciso mais carregar isto”, digo. Visivelmente desconcertado, me apresenta a sua companhia - que, por sinal, já conheço, mas ele não parece estar em condições de se lembrar disso. Assim como minha amiga, a “companhia” também trabalha com ele. Eu a conheci na última vez que nós dois nos encontramos, tão casualmente quanto agora, bem perto deste mesmo bar, quando tudo era mais recente do que ainda é. Naquele vinte e cinco de novembro -há exatamente um mês! - ele estava com um grupo de amigos do trabalho, do qual ela, a companhia, fazia parte; simplesmente, supostamente. Até aqui, tampouco vejo o que contrarie essa verdade, apesar do desconcerto dele, de suas palavras desencontradas, como as minhas. Apesar do bar a dois nesta noite chuvosa de Natal.

Tudo isso acontece em menos de dois minutos, eu acho. Afinal, minha noção de tempo, agora distorcida, faz com que tudo me venha como flashes: imagens, vozes, meus próprios gestos. Volto para a mesa e o deixo na fila após ter lhe dado um bom motivo (maior que a fila) para ir embora imediatamente. Meu amigo dos tempos de colégio, também amigo dele, se levanta e vai até lá.

Retomo minha tarefa de dobrar cartões para continuar a construir caixas, sem deixar de pensar que, segundo a minha mais recente teoria sobre amores contrariados, ele é a maior caixa que criei.


Continua no próximo post

****

Personagens presentes, por ordem de aparição:

Eu, por mim mesma;
Um casal: ele, meu amigo dos tempos de colégio. Ela, amiga de faculdade;
O "último absoluto";
A amiga de trabalho do "último absoluto".

Personagens citados:

Minha amiga que também trabalha com o "último absoluto", quem deveria ter recebido a sacola. Amiga minha, não dele;
Minha amiga que não mais ganhará DVDs piratas de presente.

domingo, dezembro 25, 2005

Interlúdio

Carta amiga na véspera de Natal

Suas influências sobre mim se tornam cada vez mais evidentes. E eu detesto admitir, porque sempre detestei ter que te dar razão.

Ontem, no almoço na casa da Mari, tinha uma rodinha de violão. E eu, hoje, odeio rodinhas de violão. Um cara muito bacana que acabara de conhecer virou meu melhor amigo por conta dessa identificação imediata: nós dois estávamos odiando a rodinha de violão. Quando aquele coro de desafinos entoou Oceano, tive calafrios. E me lembrei de você.

À noite, fui naquela festa que combinamos, da qual você desistiu em cima da hora. Ainda fez questão de dizer que sou uma grande furona e que, portanto, eu não tinha direito a reclamações. Por essas e mais tantas te acho irritante.

Azar. Eu, se fosse você, lamentaria por perder a oportunidade de me ver berrando a letra de Bandages, do Hot Hot Heat.

Teve uma hora lá que um gringo perguntou se eu falava inglês e, com a resposta afirmativa, ficou berrando frases de contentamento por ter encontrado quem o compreendesse ali, no barulho daquela festa bêbada, esquisita e feliz.

O cara era interessante. Altão, estilo na medida, sem ser over. Eu já havia reparado, no meio de tanta gente, ele dançando sozinho. Mas você sabe do meu preconceito com gringos, né? Não é por nada, sem xenofobia, já te expliquei: odeio esse imaginário masculino internacional com relação à mulher brasileira. Odeio servir de personificação do pitoresco.

Ficamos conversando a noite inteira. Em vários momentos, pensei em uma de suas insistentes advertências: meu preconceito ainda me impediria de conhecer muita gente interessante. Mais uma vez, eu lembrei de você.

Ele tem 30 anos e estudou filosofia. Disse que eu era inteligente e tinha um ar esnobe. Você sabe que, nesses papos desconhecidos, eu sempre poso de intelectual e blasé. Pelo visto, colou. Hoje, me sinto uma farsa com padrão internacional. E, mais do que nunca, lembro de você.

Feliz Natal, amiga! Amo-te!

Interlúdio

Carta amiga na véspera de Natal

Suas influências sobre mim se tornam cada vez mais evidentes. E eu detesto admitir, porque sempre detestei ter que te dar razão.

Ontem, no almoço na casa da Mari, tinha uma rodinha de violão. E eu, hoje, odeio rodinhas de violão. Um cara muito bacana que acabara de conhecer virou meu melhor amigo por conta dessa identificação imediata: nós dois estávamos odiando a rodinha de violão. Quando aquele coro de desafinos entoou Oceano, tive calafrios. E me lembrei de você.

À noite, fui naquela festa que combinamos, da qual você desistiu em cima da hora. Ainda fez questão de dizer que sou uma grande furona e que, portanto, eu não tinha direito a reclamações. Por essas e mais tantas te acho irritante.

Azar. Eu, se fosse você, lamentaria por perder a oportunidade de me ver berrando a letra de Bandages, do Hot Hot Heat.

Teve uma hora lá que um gringo perguntou se eu falava inglês e, com a resposta afirmativa, ficou berrando frases de contentamento por ter encontrado quem o compreendesse ali, no barulho daquela festa bêbada, esquisita e feliz.

O cara era interessante. Altão, estilo na medida, sem ser over. Eu já havia reparado, no meio de tanta gente, ele dançando sozinho. Mas você sabe do meu preconceito com gringos, né? Não é por nada, sem xenofobia, já te expliquei: odeio esse imaginário masculino internacional com relação à mulher brasileira. Odeio servir de personificação do pitoresco.

Ficamos conversando a noite inteira. Em vários momentos, pensei em uma de suas insistentes advertências: meu preconceito ainda me impediria de conhecer muita gente interessante. Mais uma vez, eu lembrei de você.

Ele tem 30 anos e estudou filosofia. Disse que eu era inteligente e tinha um ar esnobe. Você sabe que, nesses papos desconhecidos, eu sempre poso de intelectual e blasé. Pelo visto, colou. Hoje, me sinto uma farsa com padrão internacional. E, mais do que nunca, lembro de você.

Feliz Natal, amiga! Amo-te!

quinta-feira, dezembro 22, 2005

Eu, por mim mesma - Tomo quarto

"No torpor do meu delírio torpe"

No recesso de tudo, durante os já falados quinze dias, li dois livros, ambos por indicações queridas. O primeiro, “A casa das belas adormecidas”, do Yasunari Kawabata, surgiu na conversa de mesa antes do cinema. Foi o que inspirou o Gabriel García Márquez em “Memoria de mis putas tristes”, o qual li no início do ano.

Dê discorreu poucos minutos sobre a obra. Suficiente para eu passar na livraria, depois da sessão de "Broken Flowers", e comprar um exemplar. Pedi que ela escrevesse uma dedicatória. “Por uma juventude menos ordinária; para uma velhice plena de alegrias, risos, acasos e lindas recordações. Que todos os nossos encontros e desencontros sejam como esse”. Palavras que ganhei.

O segundo foi indicação da Lili, que viu semelhanças entre meu jeito de escrever e o estilo da autora. O sugestivo título é "Ao homem que não me quis". Guardo a inspiração para os próximos tomos.

*****

O velho Eguchi, personagem experienciador, ao dormir com virgens dopadas, impedido de penetrá-las, faz de seus corpos catalisadores de lembranças. A vida é um amontoado de saudades. Em estado adiantado, tudo se acumula até doer...

Ora cheiros, ora toques; por vezes gosto, algumas rememoradas imagens. Ao som de ondas e rochas despudoradas que se esfregam naturalmente. O velho Eguchi, em suas experiências dos sentidos – propiciadas por aromas, cores, texturas, suspiros e sabores de suas belas adormecidas – , radicaliza a minha experiência de criação de caixas.

Elas, as belas, existem para que Eguchi viva suas melhores lembranças, seus acúmulos de fim de vida. As belas não precisam estar despertas para despertarem saudades esquecidas. Melhor até que não. Com as minhas caixas pesadas, amores são devaneios de embriaguez que dura até passar.

Com a leitura, roguei pela existência de quem me desvelasse; um corpo adormecido, no torpor do meu delírio torpe, que me lembrasse do muito amor que tenho, que esbanjo, e que só dou pra quem não pede. Que acumulo até explodir com juros, em juras.

Esconjuro. Juraria pelo sagrado para não precisar depender do pressuposto cruel de ser amada. Existindo quem me ame, me envaideço. Na ausência de quem me sinta, minha ira é dádiva.

A caixa, o depósito de meu sentir pesado, quem quer que seja, melhor que reste entorpecido, para não julgar as irrealidades dos meus ideais dopados.

Eu, por mim mesma - Tomo quarto

"No torpor do meu delírio torpe"

No recesso de tudo, durante os já falados quinze dias, li dois livros, ambos por indicações queridas. O primeiro, “A casa das belas adormecidas”, do Yasunari Kawabata, surgiu na conversa de mesa antes do cinema. Foi o que inspirou o Gabriel García Márquez em “Memoria de mis putas tristes”, o qual li no início do ano.

Dê discorreu poucos minutos sobre a obra. Suficiente para eu passar na livraria, depois da sessão de "Broken Flowers", e comprar um exemplar. Pedi que ela escrevesse uma dedicatória. “Por uma juventude menos ordinária; para uma velhice plena de alegrias, risos, acasos e lindas recordações. Que todos os nossos encontros e desencontros sejam como esse”. Palavras que ganhei.

O segundo foi indicação da Lili, que viu semelhanças entre meu jeito de escrever e o estilo da autora. O sugestivo título é "Ao homem que não me quis". Guardo a inspiração para os próximos tomos.

*****

O velho Eguchi, personagem experienciador, ao dormir com virgens dopadas, impedido de penetrá-las, faz de seus corpos catalisadores de lembranças. A vida é um amontoado de saudades. Em estado adiantado, tudo se acumula até doer...

Ora cheiros, ora toques; por vezes gosto, algumas rememoradas imagens. Ao som de ondas e rochas despudoradas que se esfregam naturalmente. O velho Eguchi, em suas experiências dos sentidos – propiciadas por aromas, cores, texturas, suspiros e sabores de suas belas adormecidas – , radicaliza a minha experiência de criação de caixas.

Elas, as belas, existem para que Eguchi viva suas melhores lembranças, seus acúmulos de fim de vida. As belas não precisam estar despertas para despertarem saudades esquecidas. Melhor até que não. Com as minhas caixas pesadas, amores são devaneios de embriaguez que dura até passar.

Com a leitura, roguei pela existência de quem me desvelasse; um corpo adormecido, no torpor do meu delírio torpe, que me lembrasse do muito amor que tenho, que esbanjo, e que só dou pra quem não pede. Que acumulo até explodir com juros, em juras.

Esconjuro. Juraria pelo sagrado para não precisar depender do pressuposto cruel de ser amada. Existindo quem me ame, me envaideço. Na ausência de quem me sinta, minha ira é dádiva.

A caixa, o depósito de meu sentir pesado, quem quer que seja, melhor que reste entorpecido, para não julgar as irrealidades dos meus ideais dopados.

sábado, dezembro 17, 2005

Eu, por mim mesma - Tomo terceiro

"Haja caixa pra tanto espetáculo"

Poucas vezes me vi amando. Já tentei inventar mil amores, mas sou exigente demais na hora de me iludir. A fantasia da cabeça voa até se esbarrar na coerência do meu sentir.

O “autor da frase” (último relacionamento duradouro que deixou de durar) tinha a cara de sonhos há muito gestados. “Nunca te vi e sempre te amei”. E eu achava que isso era uma doença a ser curada.

Hoje, penso que meus raros amores me serviram de caixas. Por conta da raridade dos meus amores, acumulo peças até encontrar uma caixa que eu julgue capaz de receber toda a minha capacidade de doar. Eu acumulo tanto pra dar muito depois. É por isso que não funciona. As poucas pessoas que amei foram as caixas escolhidas para entulhar de minhas sensações guardadas. Deve mesmo pesar.

Tudo fermenta dentro de mim, até o momento de oferecer. Eu mesma me deleito com aroma e sabor do que está há tempos engarrafado. Como aprovo tudo, é óbvio que recuso a desfeita de não ser de(gustada). Minha vaidade capital é pecado...

O “último absoluto” foi a melhor caixa que encontrei. Certa de que precisava me desvencilhar dos meus modelos, mantive a idéia fixa de me surpreender. E aconteceu. Sem pensar em nada, nesses esbarrões do acaso, encontrei nele o depósito para o que eu imaginava ser o melhor de mim.

Uma vez eu lhe disse que não sabia se gostava de estar com ele, ou se gostava de mim mesma quando ao seu lado. Palavras que exemplificam minha maneira egocêntrica de amar.

A caixa, pra completar, era espelhada. Nela, eu amava contemplar minha cara de amante. Tantas pessoas passam por mim sem que eu as ame que quando acontece é festa, palco, filme, aplauso. Um pouco circo também. Nessas horas, corda-bamba e nariz de palhaço é comigo mesmo.

Haja caixa pra tanto espetáculo...

Eu, por mim mesma - Tomo terceiro

"Haja caixa pra tanto espetáculo"

Poucas vezes me vi amando. Já tentei inventar mil amores, mas sou exigente demais na hora de me iludir. A fantasia da cabeça voa até se esbarrar na coerência do meu sentir.

O “autor da frase” (último relacionamento duradouro que deixou de durar) tinha a cara de sonhos há muito gestados. “Nunca te vi e sempre te amei”. E eu achava que isso era uma doença a ser curada.

Hoje, penso que meus raros amores me serviram de caixas. Por conta da raridade dos meus amores, acumulo peças até encontrar uma caixa que eu julgue capaz de receber toda a minha capacidade de doar. Eu acumulo tanto pra dar muito depois. É por isso que não funciona. As poucas pessoas que amei foram as caixas escolhidas para entulhar de minhas sensações guardadas. Deve mesmo pesar.

Tudo fermenta dentro de mim, até o momento de oferecer. Eu mesma me deleito com aroma e sabor do que está há tempos engarrafado. Como aprovo tudo, é óbvio que recuso a desfeita de não ser de(gustada). Minha vaidade capital é pecado...

O “último absoluto” foi a melhor caixa que encontrei. Certa de que precisava me desvencilhar dos meus modelos, mantive a idéia fixa de me surpreender. E aconteceu. Sem pensar em nada, nesses esbarrões do acaso, encontrei nele o depósito para o que eu imaginava ser o melhor de mim.

Uma vez eu lhe disse que não sabia se gostava de estar com ele, ou se gostava de mim mesma quando ao seu lado. Palavras que exemplificam minha maneira egocêntrica de amar.

A caixa, pra completar, era espelhada. Nela, eu amava contemplar minha cara de amante. Tantas pessoas passam por mim sem que eu as ame que quando acontece é festa, palco, filme, aplauso. Um pouco circo também. Nessas horas, corda-bamba e nariz de palhaço é comigo mesmo.

Haja caixa pra tanto espetáculo...

terça-feira, dezembro 13, 2005

Eu, por mim mesma, em sete tomos

Prelúdio:

As duas últimas semanas foram de pequenas das minhas intermináveis descobertas. Por isso, não me incomoda a idéia de que as próximas postagens versem sobre o meu umbigo. Escrevi antes textos igualmente “umbiguistas”, mas recentemente apaguei-os todos. Pode ser que eu venha a apagar os que, agora, penso em escrever. Mas, neste momento, o meu umbigo importa.

Eu por mim mesma – Tomo primeiro: "Cheiro de amêndoas amargas"

“Volte a ler um livro atrás do outro, faz bem à nossa relação”. O autor da frase é um ex-namorado. Lembrei muito do conselho dele nos últimos dias, porque concluí que, atualmente e há tempos, quem estiver comigo precisa ter a sensibilidade de adaptar a exortação para “não deixe de escrever”.

Andei apaixonada (e já não me refiro ao autor da agora célebre frase). Nunca disse isso a ele, porque odeio ser óbvia. Bastava a obviedade da minha paixão. Engraçado como paixão não me inspira: me paralisa. Meu sentir transforma impulsos cerebrais outrora úteis em abstrações indizíveis que, por isso mesmo, castram palavras. O apaixonar me idiotiza. Minha criatividade vai pras cucuias. E eu odeio ser óbvia, e odeio me repetir, como agora. Resquícios de paixão...

Até aqui - salve meus 24 anos! - tive poucas paixões. Falo de paixão mesmo, não dessas minhas invenções de que me utilizo para escrever boas histórias. Afinal, o apaixonar me idiotiza e, quando idiota, não escrevo boas histórias.

As duas últimas paixões, o já remoto autor da frase e o último absoluto, eles eu acho que amei. Só digo que me apaixonei pra, de alguma forma, desmerecer o que senti. Mantenho a crença de que o amor não me faria esbanjar tanta lágrima vagabunda. Mantenho a crença pra doer menos, pensando no dia em que amarei.

Os dois tiveram a criatividade de não me amar. Daqui por diante, quem fizer igual já não tem o mérito da originalidade. Não que isso signifique muita coisa, pois basta que eu me apaixone. Afinal, o apaixonar me idiotiza. E me torna repetitiva o suficiente pra ser óbvia outra vez.

O autor da frase costumava dizer que eu vivia “digerindo” tudo e que um dia eu escreveria um livro: “eu, por mim mesma, em sete tomos”. Depois que a paixão acaba, tudo vira inspiração. Hoje, me valho do título debochado de anos atrás pra me inspirar escritos, não sobre ele, "o autor da frase", mas sobre "o último absoluto". Esse não deixou qualquer sugestão de título para a posteridade. Ele não ligava pra esse negócio de literatura. Ele só lia as figuras.

Eu por mim mesma – Tomo segundo: "Um diagnóstico sentimental"

Nos últimos quinze dias, parei para não parar de vez. Há duas terças-feiras acordei em prantos, com dor no peito, respiração curta e taquicardia. Desespero acumulado por conta da falta de concentração e da exaustão que me distanciam de definições que me levariam ao descanso.

Depois de vários dias chorando, chegou a hora consulta. Falei da dor no peito, da falta de concentração e da taquicardia. A médica me perguntou se eu desconfiava do motivo de tudo isso. “É muita coisa. Necessito de recomeço”, respondi. Aos poucos, enumerei as muitas coisas: quatro anos sem férias, vontade de independência inversamente proporcional à minha estabilidade profissional, minha mente megalômana cansada. E todas as outras miudezas que se agigantaram nos últimos tempos devido a esses três principais motivos.

A doutora concordou que era muita coisa. Mesmo assim quis saber mais: “E o coração?”. “Se recuperando de um 'amor contrariado'”, disse eu, floreando com García Marquez. Ela deu uma risadinha, fez cara de quem sempre adivinha tudo e concluiu: “Quando o coração vai bem, o resto fica mais fácil”.

Se eu soubesse, desmereceria o amor.

Eu, por mim mesma, em sete tomos

Prelúdio:

As duas últimas semanas foram de pequenas das minhas intermináveis descobertas. Por isso, não me incomoda a idéia de que as próximas postagens versem sobre o meu umbigo. Escrevi antes textos igualmente “umbiguistas”, mas recentemente apaguei-os todos. Pode ser que eu venha a apagar os que, agora, penso em escrever. Mas, neste momento, o meu umbigo importa.

Eu por mim mesma – Tomo primeiro: "Cheiro de amêndoas amargas"

“Volte a ler um livro atrás do outro, faz bem à nossa relação”. O autor da frase é um ex-namorado. Lembrei muito do conselho dele nos últimos dias, porque concluí que, atualmente e há tempos, quem estiver comigo precisa ter a sensibilidade de adaptar a exortação para “não deixe de escrever”.

Andei apaixonada (e já não me refiro ao autor da agora célebre frase). Nunca disse isso a ele, porque odeio ser óbvia. Bastava a obviedade da minha paixão. Engraçado como paixão não me inspira: me paralisa. Meu sentir transforma impulsos cerebrais outrora úteis em abstrações indizíveis que, por isso mesmo, castram palavras. O apaixonar me idiotiza. Minha criatividade vai pras cucuias. E eu odeio ser óbvia, e odeio me repetir, como agora. Resquícios de paixão...

Até aqui - salve meus 24 anos! - tive poucas paixões. Falo de paixão mesmo, não dessas minhas invenções de que me utilizo para escrever boas histórias. Afinal, o apaixonar me idiotiza e, quando idiota, não escrevo boas histórias.

As duas últimas paixões, o já remoto autor da frase e o último absoluto, eles eu acho que amei. Só digo que me apaixonei pra, de alguma forma, desmerecer o que senti. Mantenho a crença de que o amor não me faria esbanjar tanta lágrima vagabunda. Mantenho a crença pra doer menos, pensando no dia em que amarei.

Os dois tiveram a criatividade de não me amar. Daqui por diante, quem fizer igual já não tem o mérito da originalidade. Não que isso signifique muita coisa, pois basta que eu me apaixone. Afinal, o apaixonar me idiotiza. E me torna repetitiva o suficiente pra ser óbvia outra vez.

O autor da frase costumava dizer que eu vivia “digerindo” tudo e que um dia eu escreveria um livro: “eu, por mim mesma, em sete tomos”. Depois que a paixão acaba, tudo vira inspiração. Hoje, me valho do título debochado de anos atrás pra me inspirar escritos, não sobre ele, "o autor da frase", mas sobre "o último absoluto". Esse não deixou qualquer sugestão de título para a posteridade. Ele não ligava pra esse negócio de literatura. Ele só lia as figuras.

Eu por mim mesma – Tomo segundo: "Um diagnóstico sentimental"

Nos últimos quinze dias, parei para não parar de vez. Há duas terças-feiras acordei em prantos, com dor no peito, respiração curta e taquicardia. Desespero acumulado por conta da falta de concentração e da exaustão que me distanciam de definições que me levariam ao descanso.

Depois de vários dias chorando, chegou a hora consulta. Falei da dor no peito, da falta de concentração e da taquicardia. A médica me perguntou se eu desconfiava do motivo de tudo isso. “É muita coisa. Necessito de recomeço”, respondi. Aos poucos, enumerei as muitas coisas: quatro anos sem férias, vontade de independência inversamente proporcional à minha estabilidade profissional, minha mente megalômana cansada. E todas as outras miudezas que se agigantaram nos últimos tempos devido a esses três principais motivos.

A doutora concordou que era muita coisa. Mesmo assim quis saber mais: “E o coração?”. “Se recuperando de um 'amor contrariado'”, disse eu, floreando com García Marquez. Ela deu uma risadinha, fez cara de quem sempre adivinha tudo e concluiu: “Quando o coração vai bem, o resto fica mais fácil”.

Se eu soubesse, desmereceria o amor.