quinta-feira, outubro 12, 2006

Da barba do profeta

Com tanta gente pra ter saudade, de vez em quando pipocam figuras inesperadas na lembrança. Hoje senti falta do Nehemias.

Nehemias, todo domingo de manhã, senta num dos últimos bancos daquela pequena igreja. Acho que ele faz isso pra ter certeza de que todos ouvirão seus comentários, ao mesmo tempo, acredito, pra desafiar, ver quem tem coragem de virar o pescoço e reprovar, ainda que com uma olhadela, suas provocações. Ele anda na casa dos 60 anos, é psiquiatra, criado em igreja protestante, reencarnacionista, discípulo de Yoganada e fã de Albert Einstein. Devo a ele, ao Edson também, minha maior tranqüilidade em relação à morte.

Tenho um jeito tão ingênuo de sentir o cristianismo que gosto de pedir colo ao pai que não vejo; acredito que um mistério assim, a morte, tão maior que minha meninice, só pode ser conhecido por Deus mesmo. Mas tenho um jeito tão cético de pensar o cristianismo que esqueço que deus existe - existe? deixa de existir! - que vivo tentando encontrar explicações para mistérios que, ainda!, não descobri.

Nehemias, quando quer expor suas teorias, sempre parte das palavras de Einstein, que resumiu o mundo e afirmou que tudo o que existe é energia; condensada ou dissipada, materializada ou livre. Fica fácil pensar a morte assim: quando eu morrer, me desmaterializo, minha energia se dissipa pra virar outra coisa qualquer e dar continuidade a esse mundo que, por acaso, funciona com a mesma água há bilhões (quem sabe de certeza?) de anos. "Nada se perde, nada se cria, tudo se transforma" e blá, blá. Parando pra analisar, a lógica é muito humilde, e se é humilde também posso chamar de cristã. Muito cristão pensar que a gente é parte de algo muito maior. Importante parte, mas apenas uma parte.

Lembrei agora também da minha conversa com o Gui, no Louvre, dia desses. O cristianismo está lá pintado em quilômetros e séculos de quadros. Não sei que conflitos religiosos os autores cultivavam, se é que cultivavam, mas é certo que as histórias bíblicas serviram de inspiração para longos períodos. (Nota oportuna: já de volta a Amsterdam, ontem estive no Rijksmuseum pela terceira vez. Rembrandt era fissurado por temas cristãos, às vezes desenhava o mesmo de três diferentes maneiras, com intervalo de anos entre eles.) O Gui, que é ateu, concorda comigo quando eu digo que o intelectualismo aprendeu a negar tanto que acabou negando a beleza também. O Gui, que é ateu, diz que acredita no homem - e eu concordo que isso é mais difícil que acreditar em Deus.

Pois eu falava do Nehemias, que com as palavras de Einstein me fazia pensar nos budistas, para quem tudo é uma coisa só. Mas o "homem", ou sei lá quem, é individualista demais pra se saber pequeno, pra se saber beleza, pra se saber parte, pra se saber todo. E sem se saber, é muito mais difícil morrer. Jesus soube morrer.

Saudade do Nehemias...