segunda-feira, junho 04, 2007

Conto do prazer em dó

Sentada no chão, apertava com força o telefone para controlar a dor que tentava lhe escapar pela boca em forma de grito, impropérios e vômito. Deixou-se ferir lentamente por cada uma daquelas palavras que lhe chegavam de longe. Depois, telefone de volta ao gancho, encostou o corpo soluçante numas das portas, mas se levantou depressa porque era orgulhosa demais pra sofrer feito personagem qualquer de novela ordinária.

Escolheu a música, despiu-se, dançou forte e cantou alto. Lavada de suor e lágrima, esboçou um sorriso como se desse boas-vindas àquela dor fininha e maldita que conheceu poucas e marcantes vezes, que conseguiu expelir de si em outros tempos, mas que agora retornava triunfante: dor de felicidade não vivida. Dentro dela, um abismo de sentimentos que novamente dariam em lugar nenhum. Uma vez mais, fora muita fé pra pouco santo.

Copo pela metade pra uma sede inteira. Gota de água benta pra legião de lazarentos. Meia promessa de vida eterna pra dois mil e seis moribundos. Um prato de feijão pra dezessete desvalidos. Ela ganhara um palmo de terra pra sufocar vinte e oito brotos de esperança. “Ao vencedor as batatas”, disse para si, rindo de dó.

Ele era um homem casado. Ofereceu a ela palavras e depois carícias. Despediu-se de repente prometendo voltar de vez. Pouco depois, telefonou desfazendo os planos e despedaçando os sonhos. Ele mudou de idéia alegando mal-estar da consciência. Ela se calou, sem idéia e quase inconsciente de tanto mal-estar.

Ela pediu conselhos a três santas de sua devoção e todos os sagrados corações de moles Marias abençoaram a dúvida do pobre diabo e se benzeram acusando-na de pecados madalenos. Sentindo-se traída, ela despojou-se de sua fé, jogou fora todas as imagens, terços, incensos e escapulários. Vestiu uma blusa decotada, pintou as unhas de vermelho, untou-se de provocantes cheiros. Saiu às ruas. E em pouco tempo, estava cercada de devotos.

9 comentários:

माया disse...

Sem o seu talento para redigir concordando, deixo-lhe isto, elegante digestora:
http://www.youtube.com/watch?v=FE8gCl69jto

Leonardo disse...

Gisele, não sabia que tinha como vizinha uma promessa para a multifoco. Gostei muito e só achei o que vc escondia pelo descuido no uso do computador. Beijos

Shishiiiiiiiiiiiia disse...

Depois vc me conta o que tem nos bastidores deste texto!!! Alguma coisa consegui captar mas o resto, nao!!!!!

Luciana Gondim disse...

Madalena, assim me fazes perder o que tenho em meu útero. Devagar com tamanha santidade profana! E amém pela sua doçura.

rafael paschoal disse...

Há de chegar o dia em que iremos lidar com os assuntos do coração de uma forma mais amena, e menos desesperada.
Até lá, a gente vai chorando, soluçando...

lefou disse...

que gusto saber que ha vuelto digestora. Parece que tu vida se detuvo el 4 de junio.
Saludos desde tierras lejanas digestora

Deia Vazquez disse...

que tal escrever mais?

Anonymous disse...

Ja tô imaginando o que está por vir....

"o conto do prazer dando ré"
"o conto do prazer no lado de lá"

huauauauauhhu
beijos tonta

Adriana disse...

Atualiza! Atualiza!
Bjs
Dri