terça-feira, maio 01, 2007

Crônicas de vôos e soluços no escuro

"Para amar o abismo é preciso ter asas. Para se ter asas é preciso amar. Para amar precisa-se conhecer o abismo."
Nietzsche

Eu, que me julgava tão alada, senti medo de um abismozinho de nada. Há muito se cristalizara em mim a sensação de que eu poderia viver de peito aberto em qualquer mundo deste planeta. Recentemente, soube de certeza que, com meu coração encontrado, território estranho não é suficiente pra eu me perder.

Mas veio o baque. Mergulhando no abismo, confirmei minhas asas, mas me descobri com medo do escuro. Tão segura de mim, orgulhosa dos meus vôos, roguei por asas maiores e mais fortes, me esquecendo de pedir para que houvesse luz. E eu chorei feito criança. Ah, Pai... esse foi o espinho que plantastes na minha carne. Pra eu não me ensoberbecer.

O meu entusiasmo sucumbiu às sombrias reações dos que me amam. Sim, me amam, e talvez por isso mesmo às vezes me façam tão mal. Sempre me chamou a atenção a passagem do Evangelho em que Jesus revela seu destino a Pedro. O discípulo, com sincera indignação, inconsolável, promete protegê-lo. Ao que Jesus responde: “Afasta-te de mim, Satanás”.

Às vezes me considero mais condescendente com os maus sentimentos. É como se o mal aprisionasse uma bondade guerreira que sempre acaba por explodir em liberdade, salpicando o Universo de beleza. Se nos admitirmos pecadores, eternamente buscaremos a perfeição. Mas ai dos que se julgam puros e donos de bons sentimentos que me provocam calafrios. O grande amor de Pedro seria capaz de proteger Jesus de seu destino maior, de tornar-se o Cristo. Afasta-te de mim, Satanás...

Escrevo para não esquecer. Preciso apagar de vez em mim o que ainda resta de expectativa em relação aos outros e necessidade de compreensão. Carrego o amor incondicional de quem conheceu o abismo - sem apegos e sem julgamentos - e isso basta para seguir em frente, com um sorriso sereno nos lábios e uma paz outra vez inabalável no peito.

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