terça-feira, janeiro 10, 2006

Eu, por mim mesma - Tomo sexto

"Portariando na conversaria"

Uma hora e meia de conversa, depois de quase dois anos. Cheguei ainda atormentada naquele prédio, daquele bairro onde tudo acontece em poucas quadras, mas logo me sobreveio um interlúdio de luz. Eu senti uma paz de morto. Não, não me refiro a um sentimento pesado, fúnebre. É que, pela primeira vez, pensei como velho. Aliás, com tanta juventude, nunca havia me preocupado com o fato de que velhos e jovens pensam diferente demais, simplesmente porque, em essência, é assim que deve ser. Não apenas porque as épocas passam deixando pra trás gostos antigos que, aos poucos, dão lugar às tantas modernidades que também envelhecerão. É que muda o jeito de sonhar.

Como jovem, já sonhei com ter amores, ter vida linda a dois, ter filhos, ter construção constante de mais vida, de mais que a dois. Pulsante, sorridente, problemática, florida, complicada, mas, acima de tudo, vida. Ter. E ali, de repente, me vi apenas feliz. Por tudo o que eu construí um dia. Não mais ansiosa por ter, mas grata pelo tido. Coisa de velho que vai morrer. Que sabe que o tempo de sonhar já anda curto, e por isso mais agradece. Missão cumprida.

Naquela hora e meia, tudo fez sentido. Eu, que nunca entendi por que a gente ama tanto pra acabar, compreendi finalmente que algumas reações de amor, desencadeadas, explodem no infinito, pra salpicar o universo. Ejaculação de um aparente caos que engravida o cosmo e gera beleza. Porque “a beleza salvará o mundo”.

Amor que fecunda a alma, ramifica e vai longe. Esse, pensava, foi pra longe de mim. Doeu um dia. Mas, naquela noite de Natal, com minha cabeça de velho que vai morrer, aliviada constatei que meu amor foi dar em outros lugares e saiu amando por aí.

Ao “autor da frase” dediquei as maiores merdas dos últimos dois anos, porque as fiz com o intuito (agora sei) de experimentar um eu diferente, pra me livrar daquele eu que o amara. Como vivi... Dediquei a ele os maiores porres e o primeiro baseado. O primeiro orgasmo sem amor. A primeira lágrima pela falta de amor, apesar do orgasmo. Dediquei-lhe tantos dos meus escritos (muitos aqui jazem arquivados). E tanto mais... Dediquei-lhe, por fim, o momento em que me enchi de querer provar que eu podia ser diferente, porque afinal eu já não era mais quem fora. Surpresa constatar que hoje sou tão ele. Ele é tão eu. Nós nos confundimos. Entranhou, apesar de passado. Mal-passado? Bem-passado. Agora passado a limpo. Porque tempo reescreve, a gente relê. Fica feliz quem quer, quem sabe como. Porque, sempre digo, mesmo os maus momentos rendem boas histórias.

Durante aquela conversa de portaria, fez muito sentido amar. Não para se ter algo, mas para engravidar o mundo de beleza. Eu senti muito orgulho porque um dia dediquei tanto amor a um cara tão bacana. Simples assim.

Mas por que, afinal, a ligação para o “autor da frase”, quando dei de cara com o “último absoluto” acompanhado na noite de Natal?

As minhas duas histórias de amores contrariados se entrecruzaram aqui e, por isso, logo me veio uma idéia: escrever seis dos sete tomos previstos, ligar para o “autor da frase”, marcar um encontro e mostrar-lhe os escritos. O sétimo tomo, então, versaria sobre esse imaginado reencontro, as impressões do “autor da frase” e a nossa conversa nesse dia presumivelmente inusitado. Mas a vida tratou de fazer graça com minha miudeza e foi bem mais criativa que eu...

Agora sim entendo o texto profético de Guimarães Rosa, que jamais antes me parecera tão pleno de sentido: "A vida inventa! A gente principia as coisas, no não saber por que, e desde aí perde o poder de continuação - porque a vida é mutirão de todos, por todos remexida e temperada..."

Depois da noite de Natal, ainda veio o Réveillon. Festa no meio da multidão, música, banho de mar com roupa e tudo. Iemanjá abençoou. Eu agradeci porque ainda vivi pra vê-lo mais feliz, mais bonito, mais bêbado e mais dançante que nunca. Eu, tão jovem, dancei – mais feliz, mais bonita, mais bêbada, mais muito que meu antes com ele. Eu, tão velha moribunda, pensei que, hoje, talvez tivesse medo de estragar esse ele tão melhor que aquele nós.

Daqui a dois dias, faz dois anos que tudo terminou. Daqui a dois dias mais dois, ele completa dois anos mais do que tinha quando tudo terminou. Natal, Réveillon, aniversário de fim, anos de vida. Muitos motivos para homenagens e recomeços. Se amigos? Não digo “apenas” porque é muito. Porque é muito bonito. Porque, pela primeira vez, penso que tenho um motivo para morrer em paz.

9 comentários:

daisy disse...

tu é doida.

Confligerante disse...

Gisele, assim é seu nome, como seria interessante conversar sobre esse seu amor com você, se eu tivesse pelo menos força para isso, se é que esse seu amor é vero, e não literatura, embora da boa.
Como que, ao lê-la, me sinto, ou melhor, me vejo, há tempos, olhando de agora, meus amores, sempre não progredidos, sempre errados sempre... Agora casado, não vem nem mais ao caso isso... Mas como esse amores foram infantis. Como foi bobinho.
Ou você me passou através desses tomos uma imagem imponente do seu modo de amar e ser amada ou sua literatura é boa demais da conta.
Ou será, como diz Daisy, à cima, és doida, e de dar com pau!

Um abraço em você.

É bom ver a cor da sua digestão, vem forte e sadia.

Anonymous disse...

Quantos tomos serao?
Quero muitos, sete nao bastam.
se bem que espero pelo proximo personagem de ti. doido, doido, assim como a doida daisy disse. alias daisy, que tal comecar a endoidecer tb?

Deia

lefou disse...

atrasadas felicitaciones para voce, que este 2006 las sorpresas te lleven a inusitadas experiencias, y que el amor te muestre una vez mas que eres feliz...
um beijo grande.

Lombriga disse...

Bom ser uma doida feliz. ou ter uma felicidade doida. ou ser apenas doida, felizmente...

Anonymous disse...

Gi...

vc não faz idéia de como eu entendo o sentimento...

fui lendo e me identificando com várias coisas... qq dia a gente conversa e eu te explico melhor...

bjinhos
Lu

A digestora metanóica disse...

daisy:
Sim, doida, entre outras coisas.

confligerante:
Nem sei o que te dizer...

déia:
você é doida. um estímulo para incontáveis tomos.
Beijos

lefou:
saludos desde estas tierras lejanas.

lombriga:
felizmente voc6e aparece por aqui. mas até quando dura esse mistério? não era só um "cadinho"?

Lu:
Muitos chopes! Quero te ouvir.
Beijos

Anonymous disse...

muitos chopps??? falou as palavras mágicas....

vamos marcar!!!
bjinhos

saudades da pessoa que agora eu vi 2 vezes na vida!!! hehehehe

Anonymous disse...

esqueci de assinar.... desculpa..

bjinhos
Lu