quarta-feira, junho 08, 2005

As filhas de Deus

“Senhor, te agradeço por três razões: primeiro, porque não sou um gentio; te agradeço porque não sou um animal e, em terceiro lugar, porque não nasci mulher”. Uma vez li que, nos tempos de Cristo, essa era a primeira oração de um judeu quando se levantava pela manhã. Isso me remete a algumas questões.

Os teólogos da libertação há muito defendem a necessidade de reformulação das leis “divinas” que vetam a presença feminina em posições de liderança nas comunidades religiosas. Isso porque, se nos círculos judaicos de antigamente existia uma quase equivalência entre animal e mulher, o cristianismo produziu uma situação tão ou mais anômala: às mulheres, foram reservados os lugares de santas ou prostitutas. Assim, elas permaneceram banidas da vida cotidiana; algumas enviadas para o céu, outras exiladas no inferno, mas, de um modo geral, todas excluídas do mundo dos homens.

Pensando nas polêmicas do Código Da Vinci de Dan Brown (que não li), me falta paciência para as elucubrações a respeito da sexualidade de Jesus e sua suposta união com Maria Madalena, pela maneira infantil como a questão é tratada e discutida. De um lado, fica a Igreja querendo proteger a castidade de seu ícone mais caro. Do outro, uma penca de “hereges” preocupadíssimos em demonstrar a falsidade da fé cristã provando que o enviado de Deus possuía órgão sexual e (pior!) fazia uso dele.

As razões que levam a Igreja a lutar contra tais teorias me são bastante claras, já que elas abalam os pilares de verdade até hoje construídos. O fetiche dos “hereges” também – afinal, eles normalmente atraem para si todos os “demônios” do marketing, numa época em que fogueira mesmo, só a das vaidades. Mas nessa guerra, o que me chama a atenção são os “cristãos comuns”. Por que o fato de Maria Madalena se sentar na mesa da Santa Ceia (segundo as especulações do Código Da Vinci) abalaria a fé do fiel comum?

Essa atmosfera “legalista” abafa questões que considero cruciais. Leonardo Boff costuma dizer que Jesus era tão humano que, por isso, só poderia ser divino. Os relatos bíblicos demonstram que Jesus convivia e dialogava com mulheres. Muitas delas, não bastasse a exclusão natural a que estavam submetidas por uma simples questão de gênero, ainda eram pobres, adúlteras, viúvas ou prostitutas – o que significa dizer, no contexto da época, marginalizadas. Gente assim compunha o grupo daquele que, segundo se anunciava, era o Filho do Homem.

Do meu lugar de mulher do século 21, eu diria que respeito a figura de um Cristo celibatário. Mas, se Jesus de Nazaré realmente uniu-se a uma ex-prostituta, há dois mil anos atrás, numa sociedade preconceituosa e marcada por uma forte segregação sexual, e ainda lhe reservou assento na mesa em que compartilhou o pão e o vinho pela última vez, não preciso de qualquer outro milagre para ver nele santidade e acreditar que ele era mesmo filho de Deus.

9 comentários:

DriEveryWhere disse...

Amei, amei, amei!
Eu sou fã do Codigo Da Vinci (quero deixar claro que o li muito antes da polemica, ou antes de ser famoso... apenas aprecio o estilo literario "triller" do autor) e tambem pensei muito nessa "posiçao" de mulher moderna que temos hj. Por coincidencia ontem li uma repostagem muito boa numa revista Espanhola sobre a mulher X religiao, e o "pecado de ser mulher".
Nada a ver meu comentario... Sem pé nem cabeça... Só pra dizer que gostei do assunto.

Adriana outra vez disse...

Já que estou viajando na mayo, aproveito pra fazer propaganda do Sindrome de Estocolmo outra vez. Otimos posts sobre a mulher e o sistema de castas na India.

Clarissa disse...

Da minha posição de mulher, agnóstica, talvez moderna, do século 21 mas que ainda não leu o Código da Vinci, tbm gostei muito da explanção. E me atrevo a dizer que se o papa, os bispos e os cardeais fossem do sexo feminino, o mundo cristão já não seria o mesmo...

Muitos beijos!

Anonymous disse...

evangélicas.....argh!

O Micróbio disse...

Não me vou alongar muito sobre esta questão, até porque já escrevi muito sobre ela (acho que no Micróbio já se escreveu uns 3 ou 4 posts sobre este assunto)... Dan Brown manipula as Sagradas Escrituras e a mensagem de Cristo; dá maior importância aos textos gnósticos sobre a vida de Jesus que aos testemunhos que aparecem no Novo Testamento (que não é mencionado uma única vez em todo o romance); diz também que as suas fontes são muito limitadas e que se dedicam a ventilar, no género de ficção, as conclusões esotéricas de discutíveis ensaios sobre a figura de Jesus e a História da Igreja.

Å®t Øf £övë disse...

Vim ler-te, e aproveitar para te desejar uma boa semana.
Bjo.

Iluvatar disse...

Gostei do tema central do texto, daquilo que queres dizer, voltarei com mais tempo para discutir melhor a minha opinião...
Um beijo Pedro

lefou disse...

antes del codigo da vinci, estuvo la pelicula de "la ultima tentacion de cristo" de M. Scorsese o algo asi.. en esa pelicula relatan lo que paso luego que cristo dudo en la cruz, basada en una novela de Nikos Kazantzakis llamada Cristo de nuevo crucificado... en fin.. imaginarem un crsito humano me parece aun mas admirable haber resistido a las tentaciones a las que estamos sometidos, y la mujer tuvo para él como para mi un papel primordial en el mundo..
beijos

A digestora metanóica disse...

o micróbio:
o seu comentário dá um outro post, com certeza.
Beijinhos

art of love:
obrigada pelas frequentes visitas!
Abraços

iluvatar:
ora,ora... você por aqui outra vez... bom saber!

lefou:
ótima lembrança. também pensei no filme do Scorcese enquanto escrevia esse post.
Beijos pra você