terça-feira, maio 24, 2005

Pequenos engasgados

Os alunos do curso têm muito receio de escrever. Atmosfera estranha... Levei um texto do Ferréz, literatura marginal. Mas antes, pedi que me dissessem o que a palavra "marginal" significava para eles. Rolou uma troca de olhares, quiseram que eu escolhesse outra palavra, se recusaram a responder. E mais troca de olhares... Até que alguns decidiram falar: "Malandragem, bandidagem, tráfico, arma, roubo", e por aí foi.

Falei do marginal que é o cara que está à margem, antes de ser bandido, malandro e pegar em armas. Eles, então, relaxaram.

Depois de uma atividade lá, cada um fez um texto de 15 linhas. O tema foi "Tenho raiva de...". Antes de escreverem, perguntaram se leriam em voz alta, se precisariam apresentar pros outros colegas da turma. Respondi que não, eles se sentiram mais confortáveis. A seguir, alguns trechos:


"Tenho raiva de quem não gosta de mim, da Diretora da escola, da criminalidade, da professora de português, do homem que matou meu pai".
M.S.

"Tenho raiva de bala perdida, porque mata inocentes. Tenho raiva dos políticos que roubam, porque as pessoas não têm dinheiro para gastar com o leite dos filhos, e ainda pagam impostos, e ainda são roubados pelos políticos".
J.M.

"Eu tenho raiva do meu pai porque ele nunca me deu nada em toda minha vida".
S.O.

"Tenho raiva de acordar e não ter o que comer
Tenho raiva de tanto que já chorei por medo de dormir e não mais acordar
Tenho raiva porque perdi meu primo no tráfico
Tenho raiva porque não posso voltar atrás do que perdi
A única coisa que tanto tenho raiva de ter é odiar quando simplesmente se quer amar"
M.N.

"Eu tenho raiva dessa pessoa, porque ela é muito folgada.
Quando ela aparece na televisão me dá um ódio; quando ela faz o programa dá vontade de nem escutar a televisão.
Ela é cheia do dinheiro, ela podia parar, descansar.
Não, quer ganhar mais para deixar a sua herança para a sua filha.
Ela faz propaganda de shampoo, ela podia deixar para outra pessoa pobre.
Ela podia dividir o seu dinheiro para as pessoas que passam necessidade.
Me dá uma vontade de xingar, aquela loura falsificada.
O nome dessa pessoa que tanto odeio é a Xuxa. Essa filha da mãe!"
L.R.

5 comentários:

Dri MIller disse...

Gostei...
Dá um dó ler essas coisas, e ver que tenho tantas coisas que nem sequer dou valor, ou que nem se quer sei que tenho...
Mas oque gostei mesmo foi o texto sobre a Xuxa! Quero conhecer esse aluno!

Anônimo disse...

Interessante ver uma criança com tanto ódio da Xuxa!! Adorei, nota dez pra ela hein, isso é que ser marginal!
Interessante ver como nos surpreendemos com as diferentes maneiras que essas pessoinhas descarregam seu ódio...nota dez para todas!

Å®t Øf £övë disse...

Pois é,esse tema dá para por a descoberto o que vai no fundo da alma de cada criança.E podemos perceber facilmente que não vai nada de bom,bem pelo contrário.
O que será que se pode fazer,digo,fazer cada um por si para alterar este estado de coisas no qual estamos a transformar o nosso mundo e o nosso futuro que afinal são essas crianças?
Muito interessante este teu texto.Dá para fazer uma profunda reflexão.
Bjs.

lefou disse...

en ocasiones dinamicas como esta, dan salida a dolores muy profundos, algunos de los textso que publicas me parten el alma...
en esos momentos dan ganas de ser angel y aliviar heridas...
un beso

Anônimo disse...

Eu tambem fiquei engasgada...com um nó na garganta...é aquilo que conversamos...