segunda-feira, abril 18, 2005

História de quem não tem história para contar

Decidi não me levar tão à sério, já faz um tempo, mas a realização disto não vem de um dia para o outro. É preciso dedicação. Hoje dei um passo adiante e fiz algo que há muito queria fazer: abordei um estranho na rua e pedi para ele me contar sobre sua vida.

Foi nas Barcas, indo para Niterói. Prestei atenção nele quando ainda estávamos na Estação. De costas, achei que fosse o João, apesar de saber que jamais o veria ali. De rosto parecia o irmão gêmeo do Rodrigo Santoro. É necessário dizer que ele era lindo? Pois era.

A barca chegou, peguei o meu café, acendi um cigarro. Entrei, busquei um lugar do lado de fora, nos banquinhos do segundo andar, ele também. Minha curiosidade aumentou, pois não é de hoje que observo os que viajam sozinhos naquele canto. Ainda mais porque tinha chovido e o dia estava nublado, o que sempre afasta os passageiros dali.

Engraçado como eu estava me sentindo outra pessoa, um pouco personagem, não só por estar fumando, mas também por conta do cabelo preso, boné e óculos escuros – eu devia ter uns dez anos na última vez que usei um boné. Tirando proveito do disfarce de mim mesma, apaguei o cigarro, terminei meu café, criei coragem, saí do meu lugar e sentei do lado dele. Disse que eu era escritora (esta parte dá até vergonha de contar. Além da piada em si, não poderia haver caracterização mais esdrúxula e figurino menos condizente). Perguntei se ele se importava de ser meu personagem para uma história. Não havia problema algum, me disse, mas quis saber o que era preciso fazer. "Basta que conversemos e você me conte algo sobre sua vida", respondi.

Seu nome é Júlio e de perto consegue ser ainda mais bonito. Das primeiras coisas que me contou: já chamaram-no, mais de uma vez, de João na rua. Ri e quis saber se o achavam parecido com alguém famoso. A semelhança com o Rodrigo Santoro é mesmo o comentário mais freqüente. Se ele tira proveito disso? Que nada. Quieto, não sai muito à noite, prefere o dia. Namora há 2 anos e sete meses, se diz apaixonado. Os dois já se conheciam há um certo tempo, eram amigos. Ela está começando a faculdade de cinema e estuda exatamente onde estudei. Isso me assustou no início, confesso. Medo de ser desmascarada, com certeza. E mais, dela pensar que eu estava dando uma cantada no Júlio.

Não seria algo absurdo de se pensar, mas eu jamais agiria assim se o objetivo fosse uma conquista. Além disso, ele é menino demais. E bonito demais. Acho que os belos se acomodam, quase nunca são os mais engraçados ou mais charmosos, nem têm o jeito de falar mais interessante. Isso quando a voz não é um desastre. Nem é o caso, a voz do Júlio é bem bacana. O sorriso é uma graça, mas meio tímido, ou simplesmente reservado, o que é de se esperar se levarmos em conta a forma como aconteceu a conversa.

Seu jeito de se vestir despojado não chega a ser ousado. Tem 22 anos, cursa veterinária e acabou de conseguir a transferência para a Uenf. Não costuma conversar com bichos, só com os seus próprios. Ele é dono de sete cachorros, de raças variadas que não lembro agora, apenas um é "mestiço". Aliás, aprendi que cão vira-lata, em termos técnicos, é SRD, sigla para "Sem Raça Definida". Enquanto não pode exercer a profissão, trabalha na construtora que o pai administra. Todos dizem que é teimoso, e ele concorda. Briga pelo que acredita, mas nunca discute com outros teimosos. Nunca andou a cavalo e quer trabalhar com animais silvestres, provavelmente para o Ibama.

O que mais me chamou a atenção é que Júlio diz que não tem histórias para contar, não lembra de "causos" da infância, de nenhum trauma por causa da morte de um bichano. Apesar de teimoso, jamais protagonizou uma discussão memorável. Nunca recebeu um apelido dos amigos, nem mesmo na capoeira (jamais tive notícia de um capoeirista sem apelido), que praticou durante dois anos, tendo parado por complicações no joelho. Júlio atribui isso à inexistência de quaisquer feitos que fugissem da normalidade. Talvez, na verdade, não tenha querido me contar suas histórias, por reserva, o que seria compreensível. Mas não concebo a idéia de que alguém fale tanto da própria vida com uma estranha, em condições ainda mais estranhas, e tenha receio de revelar as caras lembranças. Pouco antes de nos despedirmos, perguntei se imaginava o que eu escreveria sobre ele. Deu de ombros. Nem desconfiava.

Percebeu, Julio, que agora sei de uma história sua? Você tem uma história para contar e eu fui a primeira a saber. Espero que faça bom proveito dela. Eu não a desperdiçaria.

3 comentários:

Deia Vazquez disse...

Que inveja! Eu e todos os peoples watchers te veneramos! hehehe
Ja estou juntando o material para embasar o prefacio.....
Agora, escritora de bone nao da ne?
BEIJOS

Anônimo disse...

Calouro com a cara do Rodrigo Santoro?? Essa é nova no Iacs!!

Gostei da história e da coragem de abordar um estranho. Que desculpa!

Bjokas

A digestora metanóica disse...

deianowhy:
vamos combinar que o figurino completo estava muito estranho aquele dia, né? Roupa sua mais boné do Rodolpho, completando o que faltava com meus acessórios. Ai Jesus... Passar o final de semana fora de casa pode ser desastroso...

o micróbio:
Eu não desperdiçaria, como já disse.

clarissa:
querida, é a namorada que é do IACS, não ele!
Beijos