terça-feira, abril 12, 2005

Anticlímax em escala industrial

Já não somos mais tão românticos quanto antes e encontro uma boa explicação para isso: criaram a indústria do anticlímax.

Lembro bem que na minha infância, e também na pré-adolescência, eu me reunia com as amigas do prédio pra escutar música. Às vezes, precisávamos dividir o fone do Walkman. Recordo-me até de uma regra criada certa vez: quando tocasse na rádio a música preferida de uma, as outras deveriam ceder o fone para que o prazer fosse integral. Coincidentemente, as preferências não causavam conflito: Cristiane queria ouvir Spanish Eyes da Madonna, Dani era louca pelo relançado Twist and Shout dos Beatles, e eu ficava alucinada com Astronauta de Mármore do Nenhum de Nós.

Nas matinês das discotecas havia sempre o ponto máximo, quando tocava, uma única vez, aquela música tão esperada. Já cheguei a imaginar mil situações que poderiam acontecer naquele limitado espaço de tempo, entre o começar e terminar das notas. Assim era com Pride, Your Love, Brake Away. É engraçado como muitas perderam o encanto depois que aprendi inglês.

Como meus pais não cediam facilmente às minhas urgências de consumo, não tive muitos vinis nem K7s. Restavam minhas compilações caseiras e nelas a música sempre era estragada com a vinheta da rádio no meio, quando não havia o chiado da antiga sintonização analógica.

No entanto, os CD’s se popularizaram e descobrimos inúmeras possibilidades: não ter que trocar o lado, excluir da seleção faixas não tão gostadas e o que é, pra mim, o requinte da crueldade: o botão repeat. Claro que com meus K7s eu também podia voltar a música quantas vezes quisesse. Mas nunca com a mesma precisão e conforto do repeat. Como fiz mau uso dele... meus vizinhos que o digam – apesar de que também sou testemunha auricular dos excessos de repeat dos meus vizinhos.

Depois, o MP3 acabou até com o êxtase da aquisição, além de ter nos possibilitado o mundo perfeito onde nem nos preocupamos em excluir o que não agrada - basta não baixar! Isso sem falar no assassínio maior do clímax que é o aparelho de DVD. Com um botão ficamos à vontade pra usufruir até o desgaste do que antes fora eternizado nas saudosas lembranças. Todos livres para fazer da cena perfeita um retalho desgarrado e sem valor.

Sempre penso na frase de um filósofo muito citado pelo Edson (e que não me ocorre o nome): “Nada mais enfadonho que uma sucessão de dias de céu azul”. Estou absolutamente de acordo. Minha percepção é sensível a contrastes e sou feita de desníveis – e não é assim com todos nós? Sem falar que é muito gostoso descobrir beleza também no cinza, na chuva, na espera. Na morte que significa prenúncio de ressurreição.

Transformar tudo em prazer é aniquilar o orgasmo. Longe de mim compor uma ode ao sofrimento, apenas sou afeita ao que entendo por completude. Nada pode ser mais medíocre que a vontade de viver em eterna festa. Os meus momentos felizes quero-os muito distantes do botão repeat. Minhas melhores cenas não estão disponíveis em DVD. Não pude gravar as conversas mais engraçadas com os amigos, mas guardo a sensação do riso. As melhores fotografias estão armazenadas na memória, só não sei até quando, porque um dia elas também vão perder a cor.

Euforia eternamente repetida é normalidade mal vivida. Decididamente não quero isso pra mim.

Um comentário:

A digestora metanóica disse...

Se você não se importa, como vou me importar? Rs
Beijos